A psicóloga também vai à psicóloga!

Sim, a psicóloga também vai à psicóloga. E não é sinal de fraqueza, nem de incoerência profissional. É apenas humanidade — a mesma que tento lembrar aos outros quando lhes digo que não têm de aguentar tudo sozinhos.

Há dias em que carrego histórias pesadas, lágrimas que não são minhas mas que, de algum modo, ficam ali a ecoar. E há momentos em que percebo que, para continuar a cuidar, também preciso de me cuidar. Ir à psicóloga é o meu espaço para pousar algumas das malas invisíveis que trago de cada sessão.

É curioso estar do outro lado da cadeira. Trocar o papel de quem escuta pelo de quem tenta pôr em palavras o que sente. Há sempre um pequeno embaraço inicial — afinal, passamos anos a treinar o silêncio atento, e de repente somos nós a procurar as frases certas. Mas, com o tempo, torna-se libertador.

Naquele espaço, volto a ser apenas pessoa. Sem técnicas, sem teorias, sem necessidade de ter todas as respostas. Apenas alguém que também se cansa, que também se perde, e que, tal como os outros, tenta encontrar equilíbrio no meio do turbilhão da vida.

Ir à psicóloga não me torna menos profissional; torna-me mais autêntica. Lembra-me que cuidar dos outros começa, inevitavelmente, por saber cuidar de mim.

E talvez seja isso que mantém viva a essência de ser psicóloga — a consciência de que, antes de tudo, somos humanos.

Por Que Compramos por Impulso? A Psicologia por Detrás das Compras

As compras impulsivas são um fenómeno frequente na sociedade contemporânea e consistem em adquirir produtos sem planeamento prévio, motivado por uma resposta emocional imediata. Do ponto de vista psicológico, este comportamento é influenciado por uma combinação de fatores internos – como emoções, traços de personalidade e necessidades psicológicas – e externos, incluindo estímulos de marketing e ambiente social. Embora possa proporcionar prazer momentâneo, a compra impulsiva pode conduzir a arrependimento, dificuldades financeiras e sentimentos de culpa.

Um dos principais motores da compra impulsiva é a regulação emocional. Muitas pessoas recorrem ao consumo como estratégia para lidar com stresse, ansiedade ou tristeza, procurando uma gratificação instantânea que alivie o mal-estar. A dopamina, neurotransmissor associado à recompensa, desempenha um papel central: a antecipação da compra ativa circuitos cerebrais de prazer semelhantes aos da alimentação ou do jogo. Este processo explica porque a decisão de compra, em momentos de tensão ou euforia, ocorre de forma rápida e pouco racional, mesmo quando o indivíduo reconhece que o produto não é necessário.

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Consumo de Cannabis na Adolescência: Um Debate Necessário em Portugal

O tema do consumo de cannabis por adolescentes em Portugal é, na minha opinião, um daqueles assuntos que nos obriga a sair dos extremos e a procurar uma abordagem mais sensata. Ao longo dos últimos anos, tem-se falado muito sobre a legalização da cannabis e os seus possíveis efeitos na sociedade, mas nem sempre se ouve um debate honesto sobre os riscos específicos para os mais jovens — um grupo particularmente vulnerável.

É importante começar por dizer o óbvio: a adolescência é uma fase do desenvolvimento marcada por intensas transformações físicas e mentais, o que a torna num período particularmente sensível e vulnerável. É também uma fase de descoberta e de definição da identidade. O cérebro adolescente está ainda em desenvolvimento e isso torna-o especialmente sensível, a qualquer substância que interfira com os seus processos naturais. E sim, a cannabis interfere. Apesar da ideia cada vez mais disseminada de que é uma “droga leve” ou até inofensiva, a verdade é que o seu consumo frequente pode ter efeitos sérios como, dificuldades de concentração, perda da motivação, alterações do humor, e até problemas mais graves como surtos psicóticos em pessoas predispostas. Estes não são cenários fantasiosos mas sim relatos reais, cada vez mais presentes nos serviços de saúde mental juvenil.

Infelizmente, muitos jovens não veem a cannabis como algo perigoso. Há uma certa “romantização” da erva como: “é natural”, “é melhor que o álcool”, “também pode ser usada para fins medicinais”, etc. Ora, tudo isto contém alguma dose de verdade, porém, usada fora de contexto, esta informação transforma-se num mito. A cannabis pode até ter alguns benefícios medicinais, mas isso não a torna automaticamente segura para o consumo recreativo, especialmente em idades jovens. O álcool também é legal e socialmente aceite, mas não só não deixa de ser uma substância tóxica, como ninguém sensato recomenda o seu consumo a adolescentes.

Mas não nos deixemos levar pelo pânico moral. Não acredito que o caminho seja o alarmismo, muito menos a criminalização. Portugal deu um passo importante em 2001 ao descriminalizar o consumo de todas as drogas, e isso provou ser uma abordagem mais humana e eficaz do que a repressão. No entanto, a descriminalização não é o mesmo que legalização. E aqui entra o cerne da questão: devemos ou não legalizar o consumo de cannabis em Portugal?

A resposta, na minha opinião, é um cauteloso “sim” desde que feito com responsabilidade. Legalizar não deve significar abrir as portas ao consumo descontrolado. Deve significar sim, retirar o controlo das mãos do mercado ilegal e trazê-lo para um contexto regulado, fiscalizado e informado. Significa permitir que os adultos façam escolhas conscientes e seguras, enquanto se investe seriamente em prevenção, especialmente junto dos mais jovens.

Legalizar pode, paradoxalmente, ajudar a proteger os adolescentes. Ao regular a produção, a venda e a informação sobre a cannabis, seria possível controlar a qualidade da substância, evitar misturas perigosas, limitar o acesso por idade e, acima de tudo, retirar o “fascínio” do proibido. Como sociedade, podemos e devemos explicar claramente que o facto de algo ser legal não o torna automaticamente seguro ou adequado para todos. A educação é aqui o ponto chave.

O perigo real da legalização não está na substância em si, mas na forma como ela é apresentada à sociedade. Se for vendida como um produto inofensivo, semelhante a um suplemento natural, estaremos a abrir espaço para uma nova geração de consumidores impreparados. Mas se for enquadrada num contexto rigoroso, com campanhas informativas, restrições de marketing e foco na saúde pública, então talvez possamos finalmente ter uma conversa adulta sobre o este tema algo controverso.

Pessoalmente, preocupo-me com o crescente número de adolescentes que experimentam a cannabis cada vez mais cedo, na maioria das vezes sem noção dos riscos a que se expõem. Mas preocupo-me igualmente com o moralismo cego que fecha os olhos à realidade. Fingir que a cannabis não existe, ou que todos os seus consumidores estão em perigo, é tão perigoso como normalizá-la sem crítica.

O debate sobre a legalização deve por isso ser feito com equilíbrio. Sim, há perigos, sobretudo para os jovens. Mas a legalização e o controlo da substância também pode trazer benefícios, desde que acompanhados de políticas públicas eficazes, informação rigorosa e investimento em educação. Mais do que decidir entre “proibir” ou “liberalizar”, o que precisamos é de construir uma cultura de consciência, responsabilidade e respeito pela saúde dos nossos adolescentes.

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Flexibilidade Psicológica na Terapia de Aceitação e Compromisso (TAC)

O modelo de flexibilidade psicológica proposto pela Terapia de Aceitação e Compromisso (TAC) envolve seis processos centrais: desfusão cognitiva, aceitação, contacto com o momento presente (atenção plena), o self enquanto contexto, valores e ação comprometida. Cada um desses processos desempenha a importante função do comportamento humano, de se adaptar às mudanças e às circunstâncias desafiadoras da vida.

A desfusão cognitiva representa um processo através do qual se pretende modificar o modo como tendemos a relacionarmo-nos e a interagir com os nossos pensamentos, o que, por vezes pode ser fonte de ansiedade e de sofrimento. O foco está em considerar os pensamentos, apenas como isso mesmo, pensamentos e não factos reais. São ideias que ocorrem de forma automática num determinado momento, sem que sejam verdades absolutas, concretas e literais, sobre nós próprios, sobre os outros ou sobre o mundo. A desfusão é uma forma de alterar a função dos pensamentos, e podemos fazer isso distanciando-nos deles e não evitando-os. Passamos de uma postura de fusão, que nos “cola” ao pensamento, para uma postura de indivíduo, que observa aquilo que pensa.

Podemos dar atenção a um pensamento incómodo que surja quando nos relacionamos ou nos comparamos com outra pessoa. “Eu não sou bom” ou “eu não sou capaz”. Por vezes temos tendência a nos fusionarmos com este pensamento, passando a acreditar que não somos suficientemente bons ou capazes para determinada tarefa, relação ou situação. Na desfusão cognitiva, o movimento é o de entrar em contacto com esse pensamento, observar que o estamos a ter, e aos poucos, com esse distanciamento, deixar cair a noção literal, e interpretarmos e lidarmos com esse pensamento, tal qual ele é: um pensamento.

A aceitação implica “abrir um espaço” para que os nossos pensamentos, que frequentemente julgamos como indesejáveis, sejam sentidos do modo como eles são apresentados. A aceitação é diferente do conformismo, uma vez que envolve uma postura ativa a que nos podemos permitir, identificando os nossos pensamentos, sentimentos, impulsos e emoções, como surgem de forma idiossincrática em cada situação, sem nos tentarmos livrar deles, sem tentarmos modificar a frequência da sua ocorrência ou a sua intensidade. Este processo requer uma consciência não julgadora sobre os pensamentos tal como emergem, experienciando e explorando as sensações corporais que estres desencadeiam, com um sentimento de auto compaixão, concebendo que não temos controlo sobre esses pensamentos, e entendendo a sua fluidez. Aceitar não implica gostar, implica perceber que há uma razão para o que estamos a sentir e que não precisamos de “fugir” a esse sentimento.

O contacto com o presente ou a atenção plena (mindfulness) é um processo que contribui para nos conectarmos ao aqui e agora, distanciando-nos das redes relacionais estabelecidas arbitrariamente. Este processo é caracterizado pela observação e percepção do que está presente no contexto e no nosso pensamento, e descrever sem julgar ou avaliar aquilo que vemos e sentimos. Esta prática procura trazer intencionalmente a nossa atenção para o aqui e agora, experienciar o mundo diretamente, tal como ele se apresenta, estabelecendo “um sentido de self (eu/identidade) como um processo de consciência contínua de eventos e experiências.

O self como contexto é uma de perspectiva na qual o eu se posiciona e observa as experiências que estão a ser vividas no momento. Este processo envolve a necessidade de distanciamento, ou seja, a habilidade de “observar de fora” os nossos pensamentos, sentimentos, sensações corporais, emoções e memórias, com atenção plena e aceitação. Consiste em notar os pensamentos e sentir as emoções, no aqui e agora, tal como estes se nos apresentam, observando-os com autocompaixão.

Na TAC os valores são como uma bússola que nos orienta para as nossas ações. A partir do momento em que conseguimos descrever aquilo que é importante para nós, o que valorizamos, o tipo de pessoa que gostaríamos de ser e a relevância da escolha desses valores para a nossa vida, podemos agir em direção a eles. A TAC incentiva o indivíduo a desenvolver novos repertórios, alinhados com seus valores. O desenvolvimento desses repertórios pode ser inicialmente um pouco desconfortável, uma vez que a exposição do indivíduo a algumas situações e contextos, pode despertar sensações e pensamentos dos quais teria tendência de evitar (evitamento experiencial). Porém, a ação comprometida envolve dar os passos em direção aos seus valores, não evitando a emissão dessas respostas, mesmo que isso traga algum desconforto.

Escolher ou definir valores claros e objetivos para guiarmos as nossas ações e aceitar os pensamentos que emergem neste processo, são alguns dos elementos mais relevantes para a nossa flexibilidade psicológica. A partir destas considerações, podemos dizer que o modelo de flexibilidade psicológica proposto pela TAC, não se refere a “livrarmo-nos” de  pensamentos, sentimentos, sensações, memórias e emoções, mas sim aceitar a ocorrência desses eventos privados, tal como eles são, enquanto agimos em direção aquilo que realmente valorizamos!

Fontes:

Luoma, J. B., Hayes, S. C., & Walser, R. D. (2007). Learning ACT: an acceptance & commitment therapy skills-training manual for therapists. New Harbinger Publications.

Wilson, K.G., Strosahl, K.D., Hayes, S.C. (2012). Acceptance and commitment therapy: the process and practice of mindful change. 2 Ed. New York: The Guilford Press

Branden e os seis pilares da autoestima

A autoestima é como o nome indica, a estima pelo próprio. Pode definir-se como a consciência do nosso valor e está relacionada com a ideia que fazemos de nós mesmos e do quanto nos respeitamos enquanto indivíduos.

O psicoterapeuta norte-americano Nathaniel Branden, reconhecido pelos seus trabalhos sobre autoestima, defende que esta está diretamente associada a características como racionalidade, realismo, intuição, independência, flexibilidade, capacidade de adaptação à mudança, disponibilidade para reconhecer e corrigir os próprios erros, bem como com benevolência e cooperação. Para este autor, a baixa autoestima está fortemente relacionada com irracionalidade, rigidez de pensamento, falta de abertura à experiência, conformismo, submissão e medo ou sentimentos de hostilidade em relação aos outros. A pessoa com baixa autoestima estará potencialmente mais suscetível a esquecer-se de quem realmente é, a desenvolver relacionamentos com os outros menos satisfatórios, com maiores dificuldades de comunicação e sentimentos de inferioridade.

Branden defende que a autoestima é consequência de atitudes geradas internamente, e propõe que o desenvolvimento de algumas atitudes, possa aumenta-la. Assim, determina aquilo a que chamou os “seis pilares da autoestima”, que todas as pessoas deveriam desenvolver. O primeiro pilar é a consciência, ou seja, a importância de termos consciência daquilo que está subjacente aos nossos comportamentos. Quanto maior for a nossa consciência, entendida como um recurso de sobrevivência, melhor será a nossa relação com a vida. O segundo pilar da autoestima é a aceitação de nós próprios. Sem autoaceitação, a autoestima não é possível Aceitarmo-nos e valorizarmo-nos significa respeitarmo-nos e permitirmo-nos ser. O terceiro pilar tem a ver com a responsabilidade. Sermos responsáveis pela concretização dos nossos desejos, pelas nossas escolhas, pelo nível de consciência com que agimos e vivemos os nossos relacionamentos, pelo nosso comportamento com os outros, pela forma como comunicamos, por aceitarmos e escolhermos os valores pelos quais nos regemos.

O quarto pilar da autoestima é, segundo Branden, a autoafirmação, ou seja, a disposição para honrar os meus desejos e as minhas necessidades. Sem autoafirmação agimos como meros expectadores e não participantes. É necessário sermos atores das nossas próprias vidas. O quinto pilar refere-se à intencionalidade, à atenção necessária para estabelecermos objetivos realistas e produtivos. Viver de forma intencional é assumirmos as nossas escolhas com responsabilidade e de forma consciente. Para vivermos de forma intencional e produtiva, segundo Branden, é necessário desenvolver dentro de nós a autodisciplina, que é uma virtude de sobrevivência. Por fim, o sexto pilar é o da integridade pessoal. Corresponde à integração dos ideais, das convicções, dos critérios, das crenças e dos comportamentos. A integridade é a congruência dos nossos atos, dos nossos valores, compromissos e prioridades. É ter consciência e, responsabilidade, sermos íntegros connosco mesmos, admitindo os nossos erros sem culpar os outros, compreendendo, corrigindo e reparando os danos causados, com o compromisso intencional de agir diferente, de agir melhor.

De referir ainda a ideia veiculada por Branden de que quanto maior for a nossa autoestima, maior será o respeito, a benevolência e a boa vontade com que tratamos os outros, pois não os percebemos como ameaça. O autor pressupõe ainda que se não nos sentirmos capazes de ser amados, dificilmente acreditamos que alguém nos possa amar. A autoestima é fundamental para a saúde psicológica, realização, felicidade pessoal e estabelecimento e manutenção de relacionamentos positivos. No mundo caótico e competitivo de hoje, a autoestima é a base para o nosso poder pessoal, familiar, relacional e profissional.

Fonte: Branden, N. (2002). Autoestima e os seus seis pilares. 7ª Ed. São Paulo: Saraiva.