A adolescência corresponde a uma fase do desenvolvimento que começa com a entrada na puberdade. Tem por isso um início biológico marcado por transformações às quais o indivíduo tem que se adaptar. O final da adolescência poderá ser determinado pela independência do jovem em relação aos pais, logo tem um carácter psicossocial.
A adolescência é uma fase de paradoxos uma vez que há uma inconstância de sentimentos e emoções que levam o jovem a oscilar entre o desejo de estar só e a vontade de sentir atenção e companhia, “Entre o medo e o desejo de crescer” (M. Fleming, 2005). Em termos psicológicos, a tarefa básica do adolescente é a aquisição do sentimento de identidade. Descobrir e experimentar coisas novas, assim como ensaiar vários papéis característicos do adulto, são tarefas típicas deste período. Para isso é fundamental que o contexto relacional do adolescente lhe forneça a segurança e o apoio necessário à experimentação e à sua estruturação enquanto individuo. Os estudiosos desta matéria defendem diversas teorias e modelos, sendo vários os autores portugueses que têm dado o seu contributo para o estudo do processo de separação/individuação na adolescência. Apresento neste texto três olhares psicodinâmicos sobre esta temática, de três psiquiatras e psicanalistas portugueses, cada qual com as suas particularidades e especificidades.
Segundo Carlos Amaral Dias, a adolescência é um período de espera moratória concedido ao adolescente enquanto não se encontra com aptidão para satisfazer os compromissos da vida adulta. O autor refere ainda que a adolescência é uma fase organizadora do psiquismo em que há um desinvestimento nos laços de dependência narcísica que anteriormente uniam a criança às suas figuras parentais, através de um processo de luto, que dá ao jovem a possibilidade de estar só e de ultrapassar de forma positiva o processo de separação/individuação. Em relação a este processo, o autor introduz uma ideia original, com base na obra de Bion e Meltzer, na medida em que defende que o adolescente rejeita o continente parental, isto é, a disponibilidade que os pais poderão ter para acolher conteúdos não transformados que recebem dos filhos através da identificação projetiva, conferir-lhes significado e a dirigi-los novamente para o filho de modo a que este já o possa assimilar. Para este autor, o adolescente, na fase de separação/individuação passa por dois processos de luto, na medida em que perde o self parental ao adquirir autonomia das figuras parentais e também o luto pelo grupo no sentido de conseguir individualizar-se e constituir-se enquanto ser com capacidade de estar com os outros mas também de estar só, consigo próprio.
Na perspetiva de Eurico Figueiredo, o conflito de gerações é indispensável à estruturação do indivíduo, sendo que o conflito é articulado por duas problemáticas distintas. Por um lado a idealização vs. desidealização das figuras parentais e por outro lado o narcisismo ou amor-próprio. Durante a infância a criança idealiza as figuras parentais e interioriza esse objeto que mais tarde, na adolescência lhe vai causar deceção ao olhar com outros olhos os pais reais. Isto leva a uma relação de conflito – o conflito de gerações. A realidade parental apresenta-se como uma dupla ameaça pois por um lado há uma renuncia precoce a um ideal que é do agrado do jovem e por outro lado há uma ameaça de depressão causada por um luto interno de desejos e ambições que o jovem receia não poder vir a concretizar, ou seja, ao mesmo tempo que o indivíduo renuncia a algo que o fez feliz na infância ele teme também não conseguir realizar as suas aspirações de adolescente. Este autor defende que no conflito de gerações há uma luta pelo amor-próprio. Por parte dos pais porque temem perder o amor dos filhos ao qual se habituaram durante a infância e por parte dos filhos porque lutam pelo seu amor-próprio que ficou perturbado pela desidealização dos pais. Eurico Figueiredo defende que a separação psicológica da família de origem é universal e deverá traduzir-se em aquisições psicológicas também elas universais (Fleming, M., 2005). Estes conflitos têm uma natureza evolutiva entre vários polos: autonomia vs. dependência, desautorização vs. submissão e desidealização vs. idealização, sendo que o primeiro polo deverá predominar à medida que o indivíduo se torna adulto.
Por último, a perspetiva de Emílio Salgueiro. No que concerne a adolescência e ao processo de separação/individuação, o autor discorda da teoria da desvinculação ou desinvestimento do jovem adolescente às figuras parentais. Para ele os pais ganham importância e tornam-se figuras complexas ajudando a remodelar os objetos internos primordiais (Fleming, M., 2005). Isto é, refere que os pais ganham relevo na medida em que auxiliam o jovem a conferir uma nova forma aos objetos internos iniciais que irão ser o suporte para a sua vida adulta. O autor salienta que o amor pelos pais não desaparece, porém por vezes toma a forma de ódio positivo, sentimento inseparável do amor positivo, causado pela deceção dos pais idealizados na infância face aos pais reais. Se por um lado o adolescente se vê impelido a reagir contra os pais, por outro lado a confiança e segurança que estes lhe oferecem irá ser fundamental na consolidação da sua individuação.
Embora o processo de separação/individuação seja complexo, contraditório e pleno de obstáculos, ele é indispensável para que os adolescentes entrem no mundo dos adultos com a maturidade necessária para enfrentarem as novas situações e vivências com que se irão deparar na vida adulta.
Fontes:
Amaral Dias, C. & Nunes Vicente, T. (1981). A depressão no adolescente. Porto: Edições Afrontamento.
Fleming, M. (2005). Entre o medo e o desejo de crescer. Porto. Edições Afrontamento.
Sprinthall, N. & Collins, W., (2003). Psicologia do Adolescente: Abordagem desenvolvimentista. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.