A Banda Desenhada à luz da Psicologia

Os heróis de Banda Desenhada não envelhecem, permanecem iguais a si mesmos ao longo de um interminável número de aventuras. Embora algumas colecções de Banda Desenhada sejam “infindáveis” e já muito antigas, a verdade é que tanto o herói protagonista como os seus personagens, não acusam a passagem do tempo, preservando-se a sua imagem inicial.

A força fantástica dos super heróis, os seus poderes sobrenaturais e a sua excelente forma física, mantêm-se inalteráveis ao longo de décadas. Os heróis mantêm-se jovens e robustos e apesar das inúmeras aventuras, lutas e peripécias conservam ao longo do tempo, as suas capacidades e habilidades intactas. A banda desenhada encerra em si aspectos emocionais, motivacionais, cognitivos e comportamentais, tanto do ponto de vista do apreciador como do seu criador. No que diz respeito às emoções, será que podemos dizer que reler Banda Desenhada dos seus heróis de infância, reflete uma necessidade do indivíduo em voltar atrás no tempo e recuperar alguma ingenuidade infantil, de forma a reencontrar em si a sensação de que o tempo não passou?

Um dos aspectos que interage diretamente com a apreciação de uma obra de Banda Desenhada é sem dúvida a emoção, quer seja ela causada pelo texto, pelos desenhos, cor, movimento, ou apenas pelo facto de nos poder remeter a esse mundo já vivido e sem retorno real. A emoção é uma experiência subjetiva, associada ao temperamento, personalidade e motivação. Não existe uma taxionomia ou teoria para as emoções que seja geral ou universalmente aceite. Têm sido propostas diversas teorias, desde as emoções “intuitivas” (amígdala), cognitivas (córtex pré-frontal), básicas, complexas, etc. Existem ainda emoções súbitas e de curta duração como é o caso do susto ou da surpresa, e as de longa duração como é o caso do amor. Pode fazer-se uma distinção clara ente emoção e o que resulta dela, ou seja, entre a emoção e a sua expressão, que se revela principalmente através dos comportamentos, como é o caso por exemplo do riso ou da fuga como resultado direto e observável de um determinado estado emocional.

Outro fator influente na apreciação da banda desenhada é a motivação. Perante um leque vastíssimo de estilos literários, a escolha por um deles depende em grande parte da motivação. Esta corresponde a um impulso interno, uma condição do organismo que influencia a orientação para um objetivo – a ação. Todo o indivíduo tem a capacidade de se motivar ou desmotivar. Ao deixar recair a escolha para um estilo que conjuga escrita e desenho, assim como outros efeitos visuais, o apreciador revela sentir-se mais motivado para o desafio que poderá envolver esse tipo de leitura. A necessidade de complementar a escrita com imagens, poderá ser um meio facilitador tanto para o apreciador como para o criador, no sentido em que ao primeiro facilita a aquisição da mensagem intencionalmente veiculada pelo criador, e a este, facilita o seu modo de expressão. Motivado para desenhar, o artista terá certamente mais sucesso na transmissão da sua ideia recorrendo a esta forma de representação do seu imaginário que irá complementar com a escrita em balões.

O processamento da leitura é formado por um conjunto de processos cerebrais, que são organizados estrategicamente pelo indivíduo para facilitar a compreensão das informações contidas no texto. Partindo deste princípio, a tarefa de ler, apresenta-se como um trabalho que assenta na planificação a diferentes níveis. A sistematização da leitura pode ocorrer de maneira diferente de leitor par a leitor e neste aspecto, os níveis de processamento serão diferentes entre leitores mais maduros e leitores iniciantes. Na leitura, há um processo simples de descodificação, mas ler também é construir significados, estabelecer relações entre conhecimentos, interagir, predizer, relacionar-se intimamente com o texto, é uma relação entre o leitor e o autor. O leitor é quem constrói o significado numa rede de relações do que lê, com seus conhecimentos prévios. Nesse aspecto, a figura do leitor não é a tradução ou réplica do significado que o autor quis dar à obra, mas sim uma construção que envolve o texto e os seus conhecimentos anteriores.

Sendo a leitura considerada como “pensamento visualmente guiado”, e se baseie na identificação e extração de significado das palavras individuais, o principal objetivo da leitura não é transformar texto escrito em palavras, mas sim compreender a mensagem veiculada por estas. Deste modo, o artista poderá imprimir à sua escrita o seu carácter pessoal, de maneira a que o conteúdo da sua imaginação possa ser exposto de forma clara, e interpretado sem margem para dúvidas por parte do leitor, ou, pelo contrário, escrever de uma forma ambígua, de modo que o leitor possa interpretar a obra da forma que entender e para a qual a sua personalidade o orientar.

Voltando um pouco atrás, ao ponto em que o indivíduo ao reler uma obra que o faz recordar o seu passado ou a sua infância, remete-nos para outro dos aspectos cognitivos envolvidos tanto no processo de apreciação como de criação da arte, que é a memória. A memória é um processo que envolve três fases distintas: codificação, armazenamento e recuperação. O leitor irá recordar consciente e intencionalmente a informação armazenada na memória explícita ou declarativa, que é uma memória de longo prazo. Já o criador, utiliza a memória de uma forma diferente, ou seja, irá recorrer à memória implícita e não declarativa, que é inconsciente e automática, de cada vez que pega no lápis para fazer os seus desenhos, o que corresponde a uma habilidade cognitiva. Durante os seus momentos de criação artística, estará envolvida a memória de trabalho, cuja capacidade de armazenamento é limitada, baseando-se em conteúdos obtidos através da informação sensorial. No caso da Banda Desenhada, o armazenamento em memória é essencialmente icónico, uma vez que os mecanismos responsáveis pela percepção visual operam na figura e não diretamente no ambiente visual.

A linguagem é outro aspecto a ter em conta. Esta pode referir-se tanto à capacidade especificamente humana para aquisição e utilização de sistemas complexos de comunicação, como à uma instância específica de um sistema de comunicação complexo. Muitas vezes expressões criadas pelo autor e características dos super-heróis, vão ser adoptadas e reproduzidas pelo leitor de Banda Desenhada. Da mesma forma, a expressão escrita pode influenciar o leitor à sua reprodução principalmente em textos curtos em que pode ele mesmo recorrer à utilização de balões para fazer passar mensagens, por exemplo de carga emocional.

Também a atenção está fortemente implicada nos processos de apreciação e criação da literatura em Banda Desenhada, mais do que qualquer outro tipo de literatura, na medida em que esta se encontra dividida entre a escrita e os desenhos, e também na informação que está implícita sem estar declaradamente presente na obra. A atenção é uma propriedade do sistema cognitivo, que permite a seletividade do processamento de informação e que implica negligenciar uma parte desta, para privilegiar e lidar de forma eficaz com aquela que é realmente relevante. Na sua essência, ela é constituída pela focalização, concentração e consciência. A atenção implica processos sensoriais, de linguagem, de aprendizagem, e de memória. A atenção orienta-nos para a fonte (obra), tem uma função de alerta para que mantenhamos um estado de sensibilidade aos estímulos, ao mesmo tempo que executamos e monitorizamos a tarefa, a leitura no caso do apreciador e a escrita e o desenho, no caso do artista.

Relativamente aos processos interpessoais, também o grupo de pares, durante a adolescência ou outras pessoas que fazem parte da sua rede social, podem ter uma influência significativa no indivíduo na forma como ele vai apreciar determinada obra. Já no caso do criador, terá mais a ver com vocação ou talento embora a influência social possa fomentar o seu desenvolvimento ou pelo contrário, sentir-se inibido por pressões sociais. Estas mesmas pressões ou influências sociais poderão orientar de uma forma positiva ou negativa o modo como o indivíduo se vai relacionar com determinada obra, autor, tema ou colecção. Por vezes, a título de exemplo, um pai que guardou os seus livros de Banda Desenhada favoritos, poderá influenciar o filho a lê-los ao mesmo que transpõe para ele as emoções sentidas quando era mais jovem.

O facto de determinada obra, tema ou autor ser bastante apreciado pelos demais poderá constituir por si só uma motivação para a sua apreciação por parte do indivíduo. Se entendermos motivação, como já referi anteriormente, como uma condição do organismo que leva à ação, poder-se-á também dizer, que o facto de se poder aprender, divertir ou distrair, são motivações pertinentes para a apreciação de um livro ou revista de Banda Desenhada. Por vezes, até mesmo em contexto escolar ou académico, alguns temas complexos poderão ser mais facilmente compreendidos através da sua exposição em banda desenhada, pois irão captar a atenção de uma forma mais diversificada do que se forem, por exemplo, apresentados em texto corrido. O recurso ao desenho, à cor e por vezes até a uma certa comicidade, poderá motivar os alunos para a leitura, de uma forma mais leve e descontraída.

Fontes:

 Tisseron, S. (1987). Psychanalyse de la bande dessinée. Paris: PUF.

Pocinho, M. D. (2007). Prevenção da iliteracia: processos cognitivos implicados na leitura. Revista Ibero-americana de Educación, nº 44/3, pp. 1-14.

https://sites.google.com/site/psiarte7/Psicologia-da-Arte

Deixe um comentário