Os problemas de sono na adolescência são um fenómeno frequente e nem sempre transitório. Tendem a diminuir apenas marginalmente com a idade podendo tornar-se crónicos e exigir intervenção médica e psicológica (Fricke-Oerkermann, Pluck, Schredl, Heinz, Mitschke, Wiater et al., 2007).
Estes problemas, quando persistentes, podem levar a situações de stresse e a um pobre desempenho escolar ou ocupacional. A restrição aguda do sono leva a um aumento de respostas de afecto negativo como raiva, tristeza ou medo, influenciando as relações interpessoais (O’Brien & Mindell, 2005). No entanto, as dificuldades de sono em crianças e adolescentes são um tema que tende a ser negligenciado quer em contexto escolar, quer em contexto de saúde. Rosen, Zozula, Jahn & Carson (2001) referem que apenas 3% da população pediátrica com perturbações de sono está a ser diagnosticada correctamente e a ser tratada ou acompanhada por um profissional de saúde.
Segundo a International Classification of Sleep Disorders (ICSD, 2005) os problemas do sono podem ser divididos em quatro grandes grupos: a) Dissónias, b) Parasónias, c) Perturbações do sono associadas a outras doenças e d) Perturbações do sono propostas.
As dissónias compreendem dificuldades relacionadas com insónia (iniciar o sono ou manter o sono) ou a sonolência excessiva. As parasónias incluem perturbações ou processos comportamentais que podem ocorrer durante o sono (Ex. pesadelos, sonambulismo, falar, etc.). As perturbações do sono associadas a outras doenças compreendem os problemas de sono decorrentes de estados de doença fisiológica ou psiquiátrica. Por fim, as perturbações do sono propostas são aquelas que ainda não possuem suficiente informação científica e que não cabem nos grupos anteriores (ICSD, 2005).
Na adolescência, problemas como dificuldade em adormecer (insónia), ter demasiada sonolência (hipersónia) ou ter experiências pouco usuais durante o sono (parasónia) podem também estar associados a doenças orgânicas como a asma, a obesidade, problemas gastrointestinais, epilepsia, ou a comorbilidades psiquiátricas como a depressão ou a ansiedade (Gangwisch, Malaspina, Babiss, Opler, Posner, Shen, et al., 2010; Nunes & Bruni, 2015; Snell, Adam & Duncan, 2007).
O problema de sono no adolescente revela-se também como uma entidade de base comportamental e não apenas de etiologia fisiológica. A maioria das crianças e adolescentes têm no seu desenvolvimento normal, em determinado momento e grau, um problema do sono de origem comportamental. Um dos mais frequentes é o adiamento da hora de dormir e resistência ao deitar (Mindell & Meltzer, 2008), durante a primeira infância e idade pré-escolar. No adolescente, o atraso do sono caracteriza-se essencialmente pela dificuldade em adormecer a uma hora socialmente aceitável e pela dificuldade de ser facilmente despertado pela manhã (Thorpy, Korman, Spielman & Glovinsky, 1988).
A insónia parece ser comum e até mesmo crónica entre alguns adolescentes (Hysing, Pallesen, Stormark, Lundervold & Sivertsen, 2013). É frequentemente encontrada uma diferença de género para risco de insónia que parece emergir em associação com o início do desenvolvimento pubertário, que nas raparigas, por norma, é mais precoce (Johnson, Schultz & Breslau, 2006). A insónia crónica tem grande impacto na saúde dos jovens podendo ser comparado ao impacto das perturbações do humor ou ansiedade e havendo mesmo uma associação entre a insónia do adolescente e problemas de saúde mental, como o consumo excessivo de álcool, abuso de substâncias e depressão. Um estudo de Roberts, Roberts e Chen (2002) dá destaque ao valor preditivo da insónia na população adolescente como factor de vulnerabilidade para perturbações do humor, ideação suicida, estado de infelicidade, problemas interpessoais, má percepção de saúde, absentismo escolar devido a doença, e fadiga.
Os sintomas de insónia na adolescência são um factor de risco significativo para o diagnóstico da depressão (Roane & Taylor, 2008). Este problema, aliado ao atraso da hora de deitar, pode conduzir a um estado de privação do sono que parece ser actualmente uma perturbação muito prevalente nos adolescentes, sendo estes particularmente vulneráveis às suas consequências emocionais e risco de suicídio (McGlinchey, Talbot, Chang, Kaplan, Dahl & Harvey, 2011; Lee, Cho, Cho & Kim, 2012).
A variabilidade da duração do sono dos dias de semana para os fins-de-semana é comum à maioria dos adolescentes e apresenta-se também como um factor de risco para futuros problemas relacionados com o consumo de álcool, podendo também aumentar a susceptibilidade dos jovens para problemas de comportamento (Carskadon & Wolfson, 1998).
A sonolência diurna parece ser um problema muitas vezes referido pelos adolescentes, com implicações negativas para o seu funcionamento cognitivo (O’Brien & Mindell, 2005) e é na maioria das vezes, resultado de uma duração insuficiente do sono, particularmente durante a semana. Os jovens têm na maioria das vezes consciência do problema, no entanto, por si mesmos, sentem-se com dificuldade de empreender acções para modificarem os seus comportamentos.
A incidência das perturbações do sono em adolescentes parece ser considerável. Já em 1978, um estudo conduzido por Price, Coats, Thoresen e Grinstead, com estudantes americanos do 11º e 12º ano, revelou que 37.6% dos jovens tinham distúrbios do sono ocasionais e 12.6% distúrbios do sono crónicos e graves. Mais recentemente uma investigação, Gaultney (2010) verificou que 27% dos adolescentes inquiridos estavam em risco de ter uma perturbação do sono. Um estudo de Liu, Uchiyama, Okawa e Kurit (2000) com adolescentes chineses com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos, revelou que 20,5% da amostra referia ter insónias (10,8% dificuldade em adormecer e 6,3% dificuldade em manter o sono) e 2,1% referiam ter pesadelos.
Perante estes factos tão preocupantes, resta-nos a nós, pais, professores ou profissionais de saúde, desenvolvermos estratégias que possam facilitar o sono das nossas crianças e adolescentes, uma vez que a percepção que estes têm acerca do tema parece leva-los à banalização do mesmo, evitando por vezes o pedido de ajuda e o empreendimento de comportamentos mais adequados, tendo em vista a melhoria da qualidade do seu sono.