
O uso de estereótipos pode ser entendido como um comportamento funcional e adaptativo, uma vez que é com frequência uma forma de tornar mais rápida e simples a nossa visão do mundo, julgando pessoas ou situações em termos de categorias.
Ao utilizar estereótipos libertamos recursos cognitivos para o desempenho de outras tarefas mentais, uma vez que estes servem para simplificar a perceção, o julgamento e a ação. Como vivemos sobrecarregados de informações, tendemos a nos poupar a gastos desnecessários de tempo e energia cognitiva e utilizamos os estereótipos como atalhos para entender o complexo mundo que nos rodeia. Se utilizarmos muitos recursos cognitivos na elaboração de uma tarefa, ficarão obviamente poucos recursos disponíveis para as outras, logo, a utilização de estereótipos vai fornecer um quadro de referências mentais através das quais podemos codificar e organizar a informação de uma forma mais rápida, menos elaborada e importante na resolução de problemas.

No quadro de referências mentais fornecido pelos estereótipos, pode ser localizada tanto a informação confirmatória como a neutra e apenas quando nos confrontamos com informação não confirmatória, aí sim, os estereótipos podem perder a sua função economizadora de recursos cognitivos. Ao ter que conciliar informação discrepante com as crenças estereotípicas já interiorizadas, desenvolvemos maior esforço cognitivo no sentido de resolver essa inconsistência. Nesta situação deixamos de ter livres os recursos necessários à execução de outras tarefas.

Em época de competições futebolísticas, mobilizam-se interesses, reúnem-se amigos, familiares e conhecidos, em casa, no café ou numa praça algures pelo país fora. Agora, em tempos de Covid-19, tem que ser diferente, contudo, em circunstâncias normais, vestem-se camisolas vermelhas, verdes, envergam-se bonés e bandeiras e não é raro ver caras pintadas com as cores nacionais. É o fenómeno do futebol, desporto rei, com o seu indiscutível valor gregário e patriótico, que se sobrepõe a outros temas, quiçá alguns de maior interesse e utilidade para muitos de nós. No entanto é do Cristiano, do Félix e do Patrício que se fala e de outros tais, que no desempenho da sua desportiva função, nos fazem sonhar com títulos de campeão como forma de gritar ao mundo e a nós próprios o valor luso de tais feitos e toda a força e determinação de um povo antigo e afoito.

Há porém alguns que não vibram de entusiasmo com estas matérias, criticam e desaprovam toda a atenção dada a estes factos e reclamam porque só se fala de bola. Agradar a todos nunca foi possível e afinal a época do campeonato tem o seu prazo definido, depois, outros temas preencherão o dia-a-dia nacional, com mais ou menos desgraças, desfalques, roubos, violência e normalmente pouca visibilidade para as boas notícias que também as há. Mas voltando ao mundo do futebol, será este fenómeno de massas um assunto passível de ser analisado à luz da psicologia. Claro que sim, como tudo o resto.

O conceito de massificação refere-se, na sua origem, a um número considerável de pessoas que mantêm entre si certa coesão de carácter social, cultural ou económico. A investigação acerca destes fenómenos remonta ao passado (Séc. XIX), muitas vezes associada ao contexto europeu envolvido em tumultos urbanos característicos de um determinado período histórico, e que se tornou terreno propício para que estes comportamentos em massa fossem vistos como instáveis, irracionais e perturbadores da ordem. Essa conceção negativa foi preservada ao longo de décadas, tendo sido posteriormente contestada por McDougall (1920), que considerou ver nas massas a existência de condições para elevar o que ele chamava de vida mental coletiva, que estaria relacionada com o desenvolvimento afetivo e intelectual das pessoas por meio da participação em atividades e interesses coletivos, voltadas para elementos culturais ou populares positivos.

O mesmo autor defende que fatores como a persistência do grupo, as tradições e costumes comuns aos seus elementos, a idealização comum, as funções e capacidades do grupo bem como a interação entre grupos semelhantes, levam a uma conceção de que as massas são racionais e que possuem uma sabedoria própria. Posteriormente Canetti (1995) e Surowiecki (2004) reconheceram a natureza racional das multidões, que, apesar de serem constituídas por um elevado número de sujeitos, se caracterizam por qualidades como a regularidade, a cooperação, a inibição de conflito e a adaptação ao meio. Esta ideia remete-nos para a Teoria da Identidade Social, de Tajfel, que postula que os indivíduos tendem a integrar um determinado grupo, desenvolvendo um sentimento de pertença. Esse sentimento de pertença leva a que o indivíduo preferira o seu grupo relativamente aos outros. Isto tem a ver com o modo como nos olhamos, identificamos, categorizamos e comparamos nos diversos contextos.

No contexto do futebol, cada um é adepto do seu clube e equipa, no entanto, todos são por Portugal! Visto à luz do paradigma atual, de que a massa é um sistema social organizado e estruturador do comportamento coletivo, parece ser possível que estas movimentações em torno do futebol, levem a melhores tomadas de decisão visto que o grupo coeso se torna menos influenciável em relação aos agentes externos, preservando a sua união e organização.
