Narcolepsia, uma perturbação do sono

As perturbações do sono-vigília englobam várias perturbações ou grupos de perturbações, entre as quais a perturbação de insónia, a perturbação do hipersonolência, a perturbação de pesadelos, as perturbações do sono relacionadas com a respiração ou a narcolepsia, entre outras. O mal-estar e os défices funcionais diurnos que resultam destas perturbações são características nucleares comuns a todas elas.

A narcolepsia faz parte do quadro de perturbações do sono-vigília e caracteriza-se por períodos recorrentes de necessidade irreprimível de dormir, adormecer ou fazer sestas. Para que possa chegar ao diagnóstico desta perturbação, deverá estar presente pelo menos um dos critérios que de seguida se descrevem. O sintoma/critério deverá ter ocorrido pelo menos 3 vezes por semana nos últimos 3 meses. Esses critérios são a cataplexia e que, em indivíduos com doença de longa duração, se referem à perda súbita bilateral do tónus muscular (breves segundos a minutos), com manutenção da consciência e que são precipitados pelo divertimento ou o riso. Noutros casos, podem ocorrer episódios de caretas espontâneas, abrir a boca com deglutição atípica ou até a hipotonia global, sem quaisquer desencadeadores emocionais. Há ainda outros critérios de diagnóstico que se prendem com défices de neurotransmissores, como por exemplo a hipocretina, responsável pela regulação da excitação, vigília e apetite. Outros exames médicos complementares para o diagnóstico podem ainda incluir o estudo da latência do sono.

As características essenciais de sonolência na narcolepsia, são as sestas diurnas ou o cair no sono de forma recorrente. A perda súbita do tónus muscular, pode incluir os músculos do pescoço, mandíbula, braços, pernas ou o corpo inteiro. Pode resultar no balancear da cabeça, queda da mandíbula ou quedas totais, sendo estas as que envolvem maior risco para o indivíduo. Estas pessoas mantêm-se despertas e conscientes durante a cataplexia. Este estado não deverá ser confundido com a “fraqueza” que ocorre em contexto de atividades fisiológicas ou emocionais invulgares, como esforço física, o stresse ou a ansiedade. A cataplexia consiste numa perda breve e repentina do controlo voluntário de músculos do corpo, que ficam fracos ou mesmo paralisados. Em algumas situações, o indivíduo afetado pode mesmo cair, como se estivesse a desmaiar, embora se mantenha acordado e consciente. Algumas pessoas podem adormecer, mas apenas após o episódio..

Quando a sonolência é grave, podem ocorrer comportamentos automáticos, em que os indivíduos mantêm a sua atividade de forma semiautomática, toldada, sem que disso se recordem ou tenham consciência. Na narcolepsia são também recorrentes os sonhos vividos e os pesadelos, bem como outras perturbações, como por exemplo, a paralisia do sono, ao adormecer ou ao acordar. Esta paralisia deixa os indivíduos despertos mas incapazes de se movimentarem ou de falarem. Contudo, a paralisia do sono é também frequentemente reportada por indivíduos em situação de grande stresse ou privação do sono. Nos indivíduos com narcolepsia é relativamente frequente encontrarem-se situações de excesso de peso ou obesidade. Estas pessoas podem ter vontade de comer durante a noite, devido á disrupção do sono noturno, caracterizada por despertares que podem ser breves ou longos durante a noite. Esta situação pode levar a uma procurem desadequada de alimentos, podendo resultar numa situação de aumento do peso.

A narcolepsia tem uma prevalência relativamente baixa na população em geral (0,02% – 0,04%) e uma ligeira preponderância no género masculino. Por norma, o início dos sintomas aparece entre a infância e o início da idade adulta, sendo raros os casos em que aparecem numa idade mais avançada. O início desta perturbação pode ser súbito ou progressivo. A gravidade é maior, quando o início é súbito e ocorre na infância. Contudo a gravidade tende a diminuir com a idade e com o tratamento, podendo mesmo vir a desaparecer alguns sintomas como a cataplexia. Em cerca de 90% dos casos de narcolepsia, o primeiro sintoma a manifestar-se é a sonolência ou o aumento do sono, seguidos por catalepsia. São ainda sintomas iniciais os sonhos vividos e as alterações do sono REM, caraterizadas por movimentos excessivos. O sono excessivo rapidamente evolui para a incapacidade de se manter acordado durante o dia e para a dificuldade em manter uma boa qualidade do sono noturno.

Quanto aos fatores de risco para o desenvolvimento desta perturbação destacam-se os fatores temperamentais (ex. sonambulismo, bruxismo, enurese), os fatores ambientais (ex. as infeções típicas do inverno, como a gripe H1 N1, podem desencadear o processo autoimune, vindo a provocar narcolepsia uns meses mais tarde, o traumatismo craniano ou as alterações abruptas dos padrões do sono), e ainda os fatores genéticos como a hereditariedade ou a mutação do gene HLA DQB1. As consequências funcionais da narcolepsia incluem um risco na condução de veículos ou máquinas, sendo o mesmo desaconselhado, principalmente em indivíduos que ainda não iniciaram tratamento. De qualquer modo não é aconselhável que estes indivíduos conduzam por distâncias ou períodos longos, nem sozinhos. Há também para estas pessoas um maior risco de isolamento social, na medida em que são indivíduos que lutam constantemente para evitar a catalepsia, exercendo controlo sobre as suas emoções, afetando assim de forma negativa os seus relacionamentos.

Sendo a narcolepsia uma perturbação do sono com impacto bastante significativo na vida do indivíduo, é importante que o diagnóstico seja feito o mais precocemente possível. O primeiro passo estará a cargo dos cuidados de saúde primários, respetivamente o médico assistente, que deverá encaminhar para um especialista nesta área. Quanto à terapêutica, esta poderá ser medicamentosa e em complementaridade poderá ser benéfico o acompanhamento por parte da psicologia, nomeadamente a intervenção cognitivo-comportamental. Esta deverá ter como principais objetivos ajudar a pessoa na aceitação do diagnóstico, na adesão à terapêutica mas também na implementação de hábitos de higiene do sono, e respetiva monitorização. que podem ter uma implicação muito direta no tratamento e nos seus resultados positivos.

Procure ajuda, durma bem e viva melhor!

Fonte: Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais – Quinta Edição (DSM-V). American Psychiatric Association.

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