“Donas de casa” e saúde mental

São muitas as variáveis que podem afetar a saúde mental das mulheres. Há especificidades biológicas e, principalmente, perspetivas sociais que orientam para uma inegável diferença de género, no que diz respeito à incidência e prevalência das perturbações psiquiátricas.

Hoje em dia, exercer a atividade de ”dona de casa”, ou seja, a mulher dedicar-se à casa e à família em exclusividade, sem desempenhar uma atividade profissional e remunerada, pode coloca-la numa situação de vulnerabilidade, por diversas ordens de razão. Podem haver fatores de risco para o desenvolvimento de psicopatologia, decorrentes da multiplicidade de papéis desempenhados e das inúmeras situações ansiogéneas às quais estas mulheres, nesta condição, poderão estar mais propensas. Estas vulnerabilidades relacionais, associadas aos processos biológicos (Ex. menarca, gravidez e menopausa) e potencialmente agravadas por questões sociais e económicas, como por exemplo a cítica, o isolamento social, a incompreensão, a violência doméstica, a dependência financeira ou a pobreza, podem comprometer a saúde mental destas donas de casa.

Alguns estudos sobre esta temática orientam para uma inegável diferença de género quanto à incidência, prevalência e desenvolvimento de algumas perturbações mentais. Tanto as condições orgânicas e fisiológicas, como principalmente as realidades sociais às quais algumas mulheres estão submetidas, favorecem um ambiente interno suscetível a uma maior ocorrência de problemas psicológicos, nomeadamente depressão, ansiedade ou perturbações do comportamento alimentar, entre outras.

A investigação nesta área sugere que, por exemplo a depressão, afeta em média o dobro das mulheres, comparativamente aos homens, sendo que esta doença do foro mental é considerada a principal causa de incapacidade ou de redução da funcionalidade. Outros autores, dedicados ao estudo desta matéria, concluiram que o suicídio aparece como a segunda causa de morte em mulheres na faixa etária entre os 15 e os 44 anos (Andrade, Viana, & Silveira, 2006). A tentativa de suicídio parece ser mais comum em mulheres do que em homens e ocorre, maioritariamente, entre donas de casa e estudantes, estando as principais motivações relacionadas com a influência da sociedade patriarcal, o isolamento social ou as dificuldades nas relações conjugais (Ex. violência física, psicológica e/ou sexual).

A falta de autonomia pessoal e financeira, a invisibilidade social das atividades realizadas, a vivência restrita ao espaço domestico, os relacionamentos conjugais por vezes disfuncionais e/ou o aprisionamento ao papel materno, são alguns dos elementos identificados, que fazendo parte da vida dessas mulheres podem potenciar a manifestação de desequilíbrios afetivos, sociais e emocionais. Muitas mulheres revelam que a escolha de se dedicarem exclusivamente ao lar e à família, foi feita sob o imperativo de um suposto desígnio da mulher de ter que preservar o “seu papel”, assumir a maternidade, o casamento e a família como o seu destino, embora nas sociedades modernas e ocidentais, esta opção possa ser cada vez menos uma realidade.

Se é certo que em muitos casos ser “dona de casa” é um privilégio ao qual muitas mulheres gostariam de poder aceder, em outros tantos, é uma imposição e um propósito, que ao invés de lhes trazer satisfação pessoal, harmonia e felicidade familiar, lhes aumenta a vulnerabilidade para o desenvolvimento de psicopatologia. Muitas vidas e percursos profissionais promissores são interrompidos, em função de uma decisão que leva a um conjunto de muito nobres e exigentes atividades domésticas e familiares, que nem a todas as mulheres fazem sentido e que nem a todas as mulheres dão prazer e satisfação. Uma vida dedicada em função do outro, repleta de abnegação e por vezes falta de reconhecimento, podem conduzir a processos autodestrutivos que levam inevitavelmente a quadros de doença psicológica.

Cuide de si para melhor poder cuidar dos seus!

Fontes:

Andrade, L., Viana, M., & Silveira, C. (2006). Epidemiologia dos transtornos psiquiátricos na mulher. Revista de Psiquiatria Clínica, 33 (2), 43-54.

Araújo, T., Pinho, P., & Almeida, M. (2005). Prevalência de transtornos mentais comuns em mulheres e sua relação com as características socioeconómicas e o trabalho doméstico. Revista Brasileira de Saúde e Maternidade Infantil, 5 (3).

Diniz, G. (2013). Até que a vida – ou a morte – os separe: análise de paradoxos das relações violentas. In Féres-Carneiro, T. (Org.), Casal e família: transmissão, conflito e violência (p. 191-216). São Paulo: Casa do Psicólogo.

Santos, L. (2014). Donas de casa: donas da própria vida? Problematizações acerca do trabalho (in) visível e da saúde mental de mulheres (des) valorizadas. (Tese de doutoramento. Curso de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura, Universidade de Brasília, Brasília.

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