
A Perturbação do Uso da Cannabis é uma perturbação do foro da saúde mental, resultante do consumo da substância ou substâncias derivadas da planta com o mesmo nome, ou de compostos sintéticos quimicamente semelhantes. Ao longo do tempo, esta planta tem vindo a acumular vários nomes, entre eles weed, grass, belota, liamba, erva, charro, sendo hoje em dia talvez este último o mais comum. Cannabis é o termo mais genérico e cientificamente mais apropriado.
Define-se Perturbação do Uso da Cannabis como um padrão problemático do seu uso, que conduz a mal-estar ou défice clinicamente significativo, manifestado por pelo menos dois comportamentos ou sintomas a ele associados, ocorridos num período de 12 meses. Os comportamentos /sintomas incluem, consumir Cannabis em quantidade superior ou por um período mais longo que o pretendido, manifestar um desejo persistente ou esforços malsucedidos para diminuir ou controlar o seu uso, despender uma grande quantidade de tempo em atividades necessárias á obtenção do produto ou a recuperar dos seus efeitos, ter um impulso ou desejo forte de consumir Cannabis (craving), uso continuado de Cannabis apesar de ter consciência de que este lhe causa problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes, utilização desta substância de forma recorrente em situações em que pode ser fisicamente perigoso ou a utilização continuada da Cannabis mesmo sabendo que tem um problema físico ou psicológico, persistente ou recorrente e que pode ter sido causado ou exacerbado pelo seu consumo (ex. episódio psicótico, ansiedade…).

Estes são alguns dos critério de diagnóstico da Perturbação do Uso da Cannabis, entre outros que têm a ver com a tolerância ao produto ou com a reação á abstinência. Esta perturbação pode ter diferentes graus de gravidade, dependendo do número de sintomas ou critérios presentes. As alterações da gravidade ao longo do tempo podem refletir-se igualmente através de alterações na frequência, como por exemplo o número de dias de uso por mês ou o número de consumos por dia ou ainda pela quantidade presente em cada consumo/dose.

Os Canabinoides têm diversos efeitos no cérebro dependendo da sua concentração de THC, ou seja, a substância psicoativa extraída da planta ou obtida por síntese em laboratório. Esta concentração tem vindo a aumentar nas duas últimas décadas, facto que se tem vindo a verificar por análise á droga apreendida. A forma mais frequente de consumo da Cannabis é fumada através dos mais variados métodos, como cigarros ou cachimbos, entre outros, mas pode também ser ingerida por via oral misturada com comida. A interrupção abrupta do uso diário (ou quase diário) de Cannabis, resulta muitas vezes no aparecimento de uma Síndrome de Abstinência da Cannabis que inclui sintomas como a irritabilidade, raiva, agressividade, ansiedade, humor deprimido, inquietação, dificuldades de sono, diminuição do apetite ou perda de peso, que podem causar mal-estar significativo e contribuir para a dificuldade em parar de consumir ou ter uma recaída.

Os indivíduos que utilizam recorrentemente a Cannabis referem que o fazem como atividade social agradável ou como forma de lidarem com a dor, induzir o sono, alterar o humor ou para aliviar outras perturbações fisiológicas ou psicológicas, sendo que nestes indivíduos é frequente terem outras perturbações mentais em simultâneo, como ansiedade ou depressão. Pelo facto de alguns utilizadores desta substância estarem motivados para diminuírem a quantidade ou a frequência do seu uso, é importante estar alerta para os sinais e sintomas comuns do uso e intoxicação por Cannabis, uma vez que podem desenvolver tolerância comportamental e farmacológica. Estes sinais incluem olhos vermelhos, odor nas roupas, tosse crónica, pontas dos dedo amareladas, utilização de incenso ou ambientadores para disfarçar o cheiro característico do produto. Estes utilizadores podem também manifestar craving (impulso exagerado por alimentos específicos, por vezes em momentos pouco comuns do dia ou da noite).

Em termos de prevalência, na última década, a Perturbação do Uso de Cannabis apresenta uma taxa mais elevada, principalmente nos indivíduos do género masculino. Esta elevação reflete possivelmente, mais do que o seu maior potencial aditivo, o uso muito mais difundido da substância, comparativamente a outras drogas ilícitas. Esta perturbação pode ocorrer em qualquer altura durante ou após a adolescência, mas é mais frequente verificar-se o seu aparecimento durante a adolescência ou no início da idade adulta. A Cannabis, junto com o álcool e o tabaco, são as primeiras substâncias psicoativas tipicamente experimentadas pelos adolescentes, com um padrão de consumo gradual tanto em frequência como em quantidade.

Quanto aos fatores de risco para o desenvolvimento da Perturbação do Uso de Cannabis, estes podem incluir perturbações do comportamento durante a infância ou adolescência, o insucesso escolar, tabagismo, situação familiar instável ou de abuso, uso de Cannabis por familiares diretos, a hereditariedade e a facilidade de obtenção da substancia. Os Canabinoides são lipossolúveis e por isso detetáveis analiticamente, uma vez que persistem nos fluidos corporais durante períodos prolongados de tempo. Em termos de diagnóstico, um teste de urina pode avaliar se o indivíduo consumiu recentemente a substância, principalmente quando este nega a sua utilização.

As consequências funcionais da Perturbação do Uso de Cannabis podem ser de ordem psicossocial, cognitiva e particularmente a função executiva. A utilização da Cannabis está associada a redução da atividade – síndrome amotivacional – que se pode refletir num desempenho escolar ou profissional pobre. Estes efeitos podem estar relacionados com a intoxicação ou com a recuperação dos efeitos da intoxicação. Os acidentes decorrentes de situações potencialmente perigosas são outra possível consequência (ex. acidentes de viação). O fumo da Cannabis contém níveis elevados de compostos cancerígenos, que colocam os seus utilizadores crónicos em risco de doenças respiratórias semelhantes às experimentadas pelos utilizadores de tabaco. O uso de cannabis pode ainda contribuir para o início ou a exacerbação de outras perturbações mentais, como é o caso da ansiedade, surto psicótico ou esquizofrenia. O uso de Cannabis pode ter impacto sobre múltiplos aspetos do normal funcionamento humano, incluindo os sistemas cardiovascular, imunitário, neuromuscular, ocular, reprodutor e respiratório, bem como no apetite e na perceção.

Fonte:
DSM-V – Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (Quinta edição) de American Pshychiatric Association.