Verão, Férias e Psicopatologia: Uma relação mais complexa do que se possa pensar

O verão, frequentemente associado à leveza, ao descanso e ao bem-estar, é para muitos um período aguardado com entusiasmo. Contudo, esta estação, marcada por alterações de rotinas, exposição prolongada ao calor e maior pressão social para se “ser feliz”, pode ter efeitos contraditórios sobre diversas psicopatologias. De facto, longe de ser um antídoto universal para o sofrimento psíquico, o verão e as férias podem intensificar ou até desencadear certas condições clínicas, revelando uma relação mais complexa entre o ambiente sazonal e a saúde mental.

Comecemos por considerar as perturbações do humor. Existe um fenómeno bem documentado que é a perturbação afectiva sazonal, geralmente associada ao inverno, mas que, em menor grau, pode também manifestar-se no verão. A chamada “depressão de verão” caracteriza-se por insónia, irritabilidade, ansiedade e perda de apetite, contrastando com a forma invernal, mais marcada por letargia e hiperfagia (Rohan et al., 2009). As causas são ainda pouco compreendidas, mas sabe-se que fatores como a alteração dos ritmos circadianos, a exposição intensa à luz solar e o calor extremo podem contribuir para um desequilíbrio neurobiológico.

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Falando um pouco sobre esquizofrenia

Este é um daqueles temas que muitas pessoas evitam ou só conhecem através de estereótipos errados. Quando pensamos em esquizofrenia, é fácil lembrarmo-nos de filmes ou séries que mostram pessoas completamente desconectadas da realidade, mas a verdade é bem mais complexa e, sobretudo, muito mais humana.

A esquizofrenia é uma perturbação psiquiátrica grave que afeta a forma como a pessoa pensa, sente e percebe o mundo à sua volta. Normalmente, os primeiros sinais aparecem no final da adolescência ou no início da idade adulta. Não é, como algumas pessoas pensam, uma “dupla personalidade” ou simplesmente “loucura”. É uma condição séria que pode ter um grande impacto na vida da pessoa doente e das pessoas à sua volta.

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O que faz uma psicóloga clínica?

A Psicologia Clínica é uma área fundamental da Psicologia que se dedica à avaliação, diagnóstico, prevenção e tratamento de dificuldades emocionais, cognitivas e comportamentais. Uma psicóloga clínica trabalha com indivíduos, casais, famílias ou grupos, ajudando-os a compreender e superar problemas que afetam o seu bem-estar psicológico e qualidade de vida.

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Sobre a empatia

A empatia desempenha um papel central na intervenção psicológica e na relação terapêutica, sendo um dos pilares fundamentais para o sucesso do processo terapêutico. Esta capacidade de se colocar no lugar do outro, compreendendo os seus sentimentos e perspetivas sem julgamento, permite ao psicólogo criar um ambiente seguro e acolhedor, essencial para que o paciente se sinta confortável para explorar as suas dificuldades e vulnerabilidades.

Na prática clínica, a empatia manifesta-se de diversas formas. Em primeiro lugar, através da escuta ativa, em que o terapeuta não só ouve as palavras do paciente, mas também presta atenção à sua linguagem não-verbal, como expressões faciais, tom de voz e postura corporal. Esta atenção plena permite ao psicólogo captar nuances emocionais que podem não ser expressas diretamente, facilitando uma compreensão mais profunda das experiências do paciente. Além disso, a empatia envolve validar os sentimentos do paciente, demonstrando compreensão e aceitação das suas emoções, independentemente de serem consideradas positivas ou negativas. Este reconhecimento emocional ajuda a reduzir a sensação de isolamento e promove um sentimento de aceitação, essencial para o desenvolvimento de uma relação terapêutica forte e baseada na confiança.

A relação terapêutica, por sua vez, é o alicerce do processo de mudança psicológica. Quando o paciente sente que o terapeuta realmente o compreende e se preocupa com o seu bem-estar, é mais provável que se abra, partilhe experiências difíceis e esteja disposto a trabalhar nas suas questões emocionais. Neste sentido, a empatia não só fortalece o vínculo entre terapeuta e paciente, como também potencia a eficácia das intervenções aplicadas. Outro aspeto crucial da empatia na intervenção psicológica é a sua influência na adaptação das estratégias terapêuticas. Cada pessoa é única e, portanto, não existe uma abordagem universal que funcione para todos. Um terapeuta empático é capaz de ajustar a sua intervenção de acordo com as necessidades, ritmo e estilo de comunicação do paciente, garantindo que o processo terapêutico seja verdadeiramente centrado na pessoa.

Adicionalmente, a empatia também contribui para a motivação do paciente. Sentir-se compreendido e aceite pode incentivar a pessoa a envolver-se mais ativamente no processo terapêutico, assumir responsabilidade pela sua própria mudança e desenvolver um maior autocuidado. A empatia, portanto, não só promove um espaço seguro, como também impulsiona o crescimento pessoal e emocional. Por outro lado, é fundamental que o terapeuta mantenha um equilíbrio saudável entre empatia e objetividade. Embora seja essencial compreender e validar as emoções do paciente, o psicólogo deve evitar envolver-se excessivamente a ponto de comprometer a sua capacidade de análise e intervenção. A empatia deve ser acompanhada de uma postura profissional que permita ao terapeuta guiar o paciente no seu percurso de autoconhecimento e superação.

Efeitos Emocionais e Físicos das Perturbações Alimentares

As perturbações do comportamento alimentar (PCA), como a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e a perturbação de ingestão compulsiva, são condições psiquiátricas graves que afetam não apenas o corpo, mas também a mente. Estas patologias caracterizam-se por uma relação disfuncional com a alimentação, com a imagem corporal e com a autoestima, estando frequentemente associadas a um sofrimento emocional intenso e a complicações físicas significativas.

Do ponto de vista emocional, os pacientes com PCA vivem num estado constante de conflito interno. A obsessão pelo controlo do peso e pela aparência física é muitas vezes impulsionada por padrões culturais irrealistas, mas também por vulnerabilidades psicológicas preexistentes, como baixa autoestima, ansiedade ou depressão. Este ciclo de autoexigência e autocrítica perpetua sentimentos de culpa e vergonha, que agravam o isolamento social. Os indivíduos com anorexia nervosa, por exemplo, podem experienciar um medo intenso de ganhar peso, mesmo quando estão perigosamente abaixo do peso. Já na bulimia nervosa, os episódios de ingestão compulsiva, seguidos por comportamentos compensatórios como o vómito autoinduzido, alimentam uma sensação de perda de controlo e de autoaversão.

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Outubro: Mês da Saúde Mental

O mês de Outubro está marcado como o Mês da Saúde Mental, sendo um período dedicado à conscientização e ao diálogo sobre a importância do bem-estar psicológico. No dia 10 de outubro, celebra-se o Dia Mundial da Saúde Mental, data promovida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) desde 1992, com o objetivo de aumentar a compreensão sobre as perturbações mentais e reduzir o estigma que muitas vezes impede as pessoas de procurarem ajuda.

A saúde mental vai para além da ausência de patologia, sendo definida como um estado de equilíbrio e bem-estar emocional, psicológico e social. A falta de saúde mental afeta a forma como pensamos, sentimos e agimos no nosso dia-a-dia. Problemas como depressão, ansiedade e stresse, podem ter um impacto profundo na nossa qualidade de vida e nas nossas relações pessoais e profissionais. Assim, é essencial promover a literacia em saúde, nomeadamente em saúde mental, no sentido de aumentar a conscientização e o cuidado com a mente de forma contínua, especialmente num mundo que tem enfrentado desafios como a pandemia, as crises económicas e as pressões sociais.

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Saúde mental no masculino

A doença mental no masculino é um tema particularmente importante, na medida em que o estigma que ainda hoje está associado a estas questões, pode fazer com que muitos homens evitem ou adiem a procura de ajuda, com consequências potencialmente graves na sua funcionalidade e na sua satisfação com a vida.

Felizmente, cada vez mais o estigma relacionado com as perturbações do foro psicológico ou psiquiátrico, tem vindo a ser desconstruído, no sentido de “normalizar” a avaliação e o acompanhamento psicológico, aos homens que possam enfrentar dificuldades, nesta área da saúde em geral, mas também por desafios específicos do género. Contudo, estas dificuldades, que por vezes são banalizadas ou ignoradas, levam a que a tomada de consciência e a procura de ajuda sejam adiadas ou até mesmo evitadas. As expectativas sociais, estigmas culturais e atitudes em relação à vulnerabilidade e à procura de apoio psicológico por parte dos homens, constituem-se como uma “barreira” por vezes difícil de transpor.

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A criança e a perturbação de ansiedade

O ser humano, na sua luta pela sobrevivência, tem desde sempre a necessidade de se proteger perante situações adversas e ameaçadoras, que fazem parte do seu quotidiano. Nessas situações, o organismo está preparado para uma reação imediata perante o perigo, através da libertação de substâncias químicas que produzem sensações físicas e mentais, como a aceleração dos batimentos cardíacos, o aumento da transpiração, o estado de alerta, o instinto de fuga ou pelo contrário, o instinto de enfrentamento da situação potencialmente perigosa.

Todas estas sensações têm o propósito de preparar o organismo para uma reação de proteção frente ao perigo. Algum tempo depois, estas sensações diminuem devido à ação do sistema nervoso parassimpático, o que provoca uma sensação de relaxamento. Além das respostas fisiológicas, são ativados mecanismos cognitivos (antecipação de consequências desastrosas), motivacionais (desejo de estar longe da situação traumática), emocionais (sentimento de medo) e comportamentais (fuga ou ação).

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É a Minha Psicóloga!

O Ricardo tem 13 anos e está em acompanhamento psicológico há cerca de 6 meses devido ás suas dificuldades relacionadas com um quadro de Ansiedade Generalizada, mas também por dificuldades na adaptação ao divórcio dos pais e ás consequentes alterações da sua rotina. Em consulta, o Ricardo refere não conseguir falar das suas preocupações, nem com o pai, nem com a mãe, por sentir que ambos estão instáveis e que não o iriam compreender. Por outro lado, deixa entender que não quer ser mais um problema para os pais e manifesta alguns sentimentos de culpa em relação á separação. Encontra no “espaço e no tempo” da consulta, o momento em que expressa as suas emoções, manifesta os seus medos mas também partilha as suas conquistas escolares e do vólei, que começou a praticar recentemente. Na última consulta em que esteve com a psicóloga verbalizou “com a Dra. eu estou á vontade…posso contar tudo e até dizer alguns disparates, porque a senhora é a Minha Psicóloga”. É tão bom ouvir destas coisas…

Bulimia Nervosa: enfrentar o “monstro”

A Bulimia Nervosa é uma Perturbação do Comportamento Alimentar caracterizada pelo consumo rápido e repetido de grandes quantidades de alimentos (episódios de compulsão alimentar) seguido por tentativas de compensar o excesso de alimentos ingeridos (por exemplo, ao praticar purgação, jejum ou exercício físico).

A Bulimia Nervosa caracteriza-se pela ingestão alimentar compulsiva, como por exemplo, comer num período de tempo de duas horas, uma quantidade de alimentos, sem dúvida superior àquela que a maioria das pessoas conseguiria ou necessitaria de comer, no mesmo período de tempo. Por outro lado, esta perturbação caracteriza-se também pela compensação excessiva e inapropriada, através de exercício físico, indução do vómito ou toma de laxantes, no sentido de diminuir os efeitos da ingestão desmedida de alimentos.

Indivíduos com esta perturbação tendem a ter uma sensação de descontrolo sob o acto de comer ou dificuldade (ou incapacidade) de parar, durante o acto compulsivo de ingestão alimentar. Estes comportamentos desadequados deverão verificar-se pelo menos uma vez por semana e durante um período de três meses, para que se possa fazer um diagnóstico de Bulimia Nervosa. A prevalência desta perturbação do comportamento alimentar em mulheres jovens é de cerca de 1% e apresenta um pico no final da adolescência e início da idade adulta. Nos homens pouco se sabe acerca desta patologia mas sabe-se que é muito menos comum do que nas mulheres.

O início da Bulimia Nervosa ocorre habitualmente no final da adolescência ou início da idade adulta, sendo raros os casos em que o seu início é anterior à puberdade ou após os 40 anos. Um dos fatores que podem precipitar esta situação, são os acontecimentos de vida significativos e com impacto negativo. Numa grande maioria dos casos clínicos, esta perturbação mantem-se por vários anos, num curso crónico ou intermitente, ou seja, períodos de remissão alternados com períodos de ingestão compulsiva. De referir que é frequente que os comportamentos de ingestão compulsiva comecem durante ou após uma dieta de emagrecimento.

Parece haver uma associação entre a Bulimia Nervosa e o risco de suicídio, ou seja, em indivíduos com eta perturbação, a taxa de suicídio é de aproximadamente 2%, sendo particularmente importante a avaliação e despiste de ideação suicida e de comportamentos suicidários nestes pacientes. Cerca de 10 a 15% dos casos de Bulimia Nervosa evoluem para um quadro de Anorexia Nervosa e estes indivíduos tendem a oscilar entre períodos de bulimia e anorexia, tornando por vezes o diagnóstico diferencial difícil de definir. Muitas vezes estes indivíduos passam por um diagnóstico de Perturbação da Ingestão Alimentar Compulsiva ou de Perturbação do Comportamento Alimentar sem outra Especificação.

Os indivíduos bulímicos podem apresentar grandes limitações funcionais, particularmente no que diz respeito ás relações sociais. Os fatores de risco para a Bulimia Nervosa são múltiplos, nomeadamente temperamentais, ambientais, genéticos e fisiológicos. No que diz respeito aos fatores temperamentais, destacam-se a baixa autoestima, a sintomatologia depressiva, preocupações com o peso e problemas de ansiedade. Em relação aos fatores ambientais, sabe-se que a internalização de um corpo magro ideal ou histórias de abuso físico ou sexual na infância podem aumentar o risco do desenvolvimento de Bulimia Nervosa. A obesidade infantil e a maturação pubertária precoce podem também constituir-se como fator de risco para o desenvolvimento desta perturbação, assim como a vulnerabilidade genética e a existência prévia de casos em familiares diretos.

Em termos de prevenção, destaca-se a manutenção de hábitos de vida saudáveis e a identificação precoce de qualquer sinal de perturbação alimentar. Nos casos em que a perturbação se começa a manifestar mais precocemente, o acompanhamento pediátrico regular, pode permitir a identificação de distúrbios alimentares logo que estes se manifestem. A manutenção de uma boa autoestima e o desenvolvimento de uma adequada perceção da autoimagem, mediada e modelada pelos pais e adultos significativos, desempenham um importante papel na prevenção das perturbações alimentares.

Em termos de tratamento, a Bulimia Nervosa pode necessitar de uma intervenção farmacológica (e. g. antidepressivos), combinada com acompanhamento nutricional e psicológico. O envolvimento da família e dos amigos nestes casos é fundamental para o sucesso da intervenção. Em casos de extrema gravidade pode ser necessário o internamento hospitalar.

As Perturbações do Comportamento Alimentar, nas quais a Bulimia Nervosa se inclui, podem ser muito graves e disfuncionais, no entanto, com o apoio certo e no momento certo, tudo se pode controlar, ultrapassar e resolver. Não deixe de pedir ajuda!

Fonte:

DSM-V – Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (Quinta edição) de American Pshychiatric Association.