Após avaliação neuropsicológica, quando os pais se deparam com um resultado abaixo da média esperada para a faixa etária do seu filho, ou seja, quando a criança apresenta um desempenho intelectual de nível inferior, a reacção habitualmente é de preocupação.
Uma grande parte dos pedidos de avaliação neuropsicológica surgem por parte de pais ou professores de crianças, cujo desempenho escolar se revela baixo. Dificuldades na escrita e leitura, no cálculo e raciocínio matemático e até desajustes nas relações com os pares podem ser as razões apontadas para o pedido de avaliação cognitiva. A criança é orientada para um psicólogo, que após uma avaliação funcional nos seus diversos contextos de vida, complementa a sua avaliação, habitualmente através da aplicação de uma bateria de provas de avaliação cognitiva, adaptadas, validadas e aferidas para a população na qual essa criança se insere.
Após a aplicação das provas, que podem ter que ser administradas em várias fases, segue-se para o psicólogo, um extenso “trabalho de casa”, que inclui a cotação, obtenção dos resultados, interpretação dos mesmos e elaboração do relatório. Seguidamente é marcada uma consulta com os pais para devolução dos resultados, e é aí, que por vezes, pode não ser fácil tranquilizar uns pais, cujos resultados do filho indicam um QI (Quociente de Inteligência) de nível inferior.
Quem é que não gosta que o seu filho seja um bom aluno, esperto, com facilidade em aprender, com notas de preferência acima da média e para alguns até, que esteja no quadro de honra? Pois é, crianças com desempenho intelectual abaixo da média, não conseguem esses feitos. Mas conseguem outros. Muitas vezes, estas crianças revelam ter um funcionamento heterogéneo, ou seja, funcionam abaixo da média em algumas dimensões mas noutras podem revelar boas competências.
É importante, quer na elaboração do relatório de avaliação, quer na conversa que se tem com os pais para devolução dos resultados, começar por referir as áreas em que a criança revela um funcionamento melhor. À excepção de crianças com grave perturbação do desenvolvimento intelectual, as outras crianças com algum tipo de défice no seu desempenho, têm por norma algumas dimensões do seu funcionamento com desempenho dentro da média, e por vezes, até com um desempenho médio superior. Começar por referir em que é que a criança é melhor, vai dar mais ânimo aos pais para perceberem que de facto o seu filho revela dificuldades a outros níveis mas também vai permitir que possam ajudar a criança a explorar as áreas que lhe são mais facilitadas e poder fazer muitas coisas e muito importantes. Todos somos diferentes e todos somos melhores numas matérias do que noutras.
Por outro lado, deve-se fornecer aos pais a informação acerca de todos os recursos possíveis de serem utilizados no sentido de potenciar o desenvolvimento daquela criança. Por exemplo, o apoio educativo a alunos com necessidades educativas especiais (NEE) disponibilizado pelas escolas, o acompanhamento em terapia da fala, acompanhamento psicológico, entre outros, que visam promover o potencial de funcionamento biopsicossocial.
O défice intelectual não é uma condição médica específica como a diabetes ou a gripe e nem é uma perturbação da saúde mental como a depressão ou a perturbação de ansiedade. As crianças com desempenho intelectual abaixo da média, embora vejam limitada a sua capacidade para lidarem com uma ou mais áreas da sua vida diária e necessitem de apoio específico, podem ter outras áreas preservadas e com um funcionamento muito adaptativo, podendo tirar partido dessas áreas. Por exemplo, uma criança com limitações nas suas competências de leitura, escrita, memória e raciocínio matemático, pode ter boas competências sociais, nomeadamente consciência dos pensamentos e sentimentos dos outros, ou seja, boas competências nos relacionamentos interpessoais e julgamento social.
Em suma, perante uma criança com baixo desempenho intelectual, e determinadas as áreas de maiores dificuldades, pode-se recorrer a apoios específicos e ajudar a criança a alcançar os objectivos adequados, embora por vezes demorando um pouco mais de tempo e envolvendo maiores esforços. No entanto, a criança poderá ter outras competências que lhe permitam uma adaptação favorável aos vários contextos em que se insere e apresentar bons níveis de satisfação com a vida. Deverá ser reforçada por todos os seus esforços e valorizada em tudo o que conseguir obter, no sentido de potenciar a sua autoestima e autoeficácia, o que fará dela uma criança mais segura e mais feliz.