Sexualidade no Contexto da Oncologia Pulmonar: Uma Dimensão Ignorada

A sexualidade continua a ser uma dimensão frequentemente desconsiderada na prática clínica em oncologia, particularmente no caso do cancro do pulmão. Esta omissão resulta de múltiplos fatores, como a escassa formação dos profissionais de saúde, o constrangimento cultural associado ao tema e os constrangimentos logísticos inerentes ao funcionamento das instituições de saúde. Esta realidade perpetua um ciclo de silêncio e esquecimento que compromete a abordagem integral do doente oncológico (Bober & Varela, 2012).

O cancro do pulmão, historicamente associado a um prognóstico reservado, é muitas vezes encarado como uma condição clínica onde a sexualidade não constitui uma prioridade. Esta perceção tende a ser reforçada nos casos de doentes mais idosos, onde se assume, erradamente, que a vida sexual deixou de ter lugar ou relevância. Tal estereótipo reflete um preconceito etário, que ignora a individualidade e os direitos sexuais de cada pessoa, independentemente da idade ou diagnóstico (Flynn et al., 2012).

Do ponto de vista fisiológico, os tratamentos oncológicos — quimioterapia, radioterapia e cirurgia — podem ter efeitos adversos diretos na função sexual. Os doentes experienciam frequentemente fadiga extrema, dor torácica, dispneia, magreza significativa e alterações da imagem corporal. Estas manifestações físicas estão muitas vezes associadas a alterações hormonais e a um compromisso da funcionalidade sexual: disfunção eréctil, secura vaginal, anorgasmia ou redução do desejo sexual são fenómenos comuns (Flynn et al., 2012).

No plano psicológico, o impacto emocional do diagnóstico de cancro do pulmão é profundo. A ativação do sistema límbico, particularmente do centro do medo, leva a respostas emocionais intensas — medo da morte, raiva, tristeza, sentimento de injustiça. Estas emoções consomem os recursos emocionais do doente, comprometendo a disponibilidade para o contacto íntimo e reduzindo o desejo sexual (Park et al., 2009). O foco no combate à doença relega a sexualidade para um plano secundário, numa tentativa de sobrevivência que, muitas vezes, deixa de fora o prazer, a intimidade e a conexão com o outro.

A abordagem da sexualidade deve ser feita com sensibilidade e em tempo adequado. A primeira consulta, normalmente centrada no diagnóstico e proposta terapêutica, é intensa e emocionalmente sobrecarregada. Não será, por isso, o momento mais apropriado para introduzir o tema. Contudo, à medida que o processo terapêutico se consolida e se discutem efeitos secundários e aspetos da vida quotidiana, pode e deve ser aberta a porta à discussão da sexualidade — de forma natural, sem imposição, mas também sem tabu (Bober & Varela, 2012).

É fundamental que os profissionais de saúde reconheçam que a sexualidade é uma necessidade humana básica. Nos Institutos Portugueses de Oncologia (Lisboa, Porto e Coimbra), existem consultas especializadas de sexologia oncológica, de natureza multidisciplinar, onde se articulam conhecimentos de oncologia, ginecologia, urologia, psicologia clínica, fisioterapia, enfermagem e endocrinologia. Estas equipas têm como objetivo ajudar o doente e o seu parceiro (se tiver) a lidar com as alterações na vivência da sexualidade e desenvolver estratégias de adaptação e bem-estar.

Na primeira consulta de oncolo-sexologia, o foco é compreender a forma como a pessoa vive e conceptualiza a sua sexualidade — penetrativa ou não, centrada na intimidade, na identidade ou na reciprocidade. Alinhar a linguagem entre profissional e utente, compreender as expectativas e aplicar instrumentos de avaliação estandardizados são elementos cruciais para um acompanhamento eficaz (Flynn et al., 2012). Importa distinguir dificuldades pré-existentes daquelas que emergem após o diagnóstico ou tratamento e identificar possíveis bloqueios relacionados com a autoimagem, o medo, a dor ou a vergonha.

As intervenções terapêuticas podem ser farmacológicas — com a utilização, quando clinicamente indicada, de terapêutica hormonal (estrogénios, testosterona), lubrificantes, hidratantes, fármacos para disfunção eréctil ou analgésicos tópicos e sistémicos — ou não farmacológicas, como o aconselhamento sexual, técnicas de relaxamento, mindfulness, meditação e treino de autocompaixão (Brotto & Yule, 2017).

A comunicação entre os membros do casal é frequentemente uma área crítica. A ausência de diálogo pode originar interpretações erradas sobre a falta de interesse ou desejo, gerando frustração e afastamento. Uma comunicação aberta e empática permite clarificar expectativas e realinhar os comportamentos afetivos e sexuais, promovendo um reencontro na intimidade. A vivência sexual pode, nesta fase, assumir formas alternativas, valorizando o toque, a presença, a sensualidade e o prazer, para além do coito e do orgasmo (Brotto & Yule, 2017).

É também necessário desconstruir mitos profundamente enraizados: o sexo não tem de ser penetrativo, não tem de culminar em orgasmo, e a pessoa com cancro não está “frágil demais” para experienciar prazer. O humor, a leveza e a curiosidade são ferramentas terapêuticas subvalorizadas, mas muito eficazes na promoção de um reencontro com o corpo e com o outro.

Em suma, a sexualidade no contexto da oncologia pulmonar deve deixar de ser um tabu. É urgente capacitar os profissionais de saúde para abordar o tema com naturalidade, empatia e competência. A intervenção deve ser precoce, contínua e centrada na pessoa, respeitando as suas necessidades, ritmos e valores. Ignorar a sexualidade é falhar na resposta aos desafios humanos que a doença oncológica impõe.


Referências bibliográficas

  1. Bober, S. L., & Varela, V. S. (2012). Sexuality in adult cancer survivors: challenges and interventions. Journal of Clinical Oncology, 30(30), 3712–3719. https://doi.org/10.1200/JCO.2011.39.7372
  2. Flynn, K. E., et al. (2012). Sexual functioning along the cancer continuum: focus group results from the Patient-Reported Outcomes Measurement Information System (PROMIS). Psycho-Oncology, 21(4), 400–407. https://doi.org/10.1002/pon.1890
  3. Park, E. R., et al. (2009). Addressing sexual problems in cancer care: A pilot intervention for breast cancer survivors. Patient Education and Counseling, 77(3), 372–378. https://doi.org/10.1016/j.pec.2009.09.011
  4. Brotto, L. A., & Yule, M. A. (2017). Asexuality: Sexual orientation, sexual desire, and sexual arousal. Archives of Sexual Behavior, 46(3), 619–627. https://doi.org/10.1007/s10508-016-0770-x

    Sexualidade e saúde mental

    A Sexualidade é um tema indissociável do ser humano, presente em todos os contextos e capaz de desencadear todo o tipo de reações, como o riso, a vergonha, a dúvida ou a curiosidade. Qualquer comportamento sexual tem uma componente biológica, psicológica, e interpessoal, baseando-se em conceitos culturais de normalidade e moralidade.

    A Saúde Mental é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), não apenas como a ausência de doença, mas também como um estado de bem-estar em que cada indivíduo realiza o seu próprio potencial, conseguindo lidar com os desafios normativos da vida, como por exemplo, trabalhar de forma produtiva e assim contribuir para a sociedade. Para a OMS, a sexualidade inclui vários aspetos da experiência humana: as diferenças biológicas entre mulheres e homens, as identidades e papéis de género, a orientação sexual, o erotismo, o prazer, a intimidade e a reprodução. A interligação entre variáveis como o sexo atribuído à nascença, o género, e a orientação sexual, e a forma como estas se relacionam é tão fluída e livre como a complexidade da própria existência humana.

    A história pessoal de cada indivíduo e a forma como se relaciona com os outros e com o mundo, é de certo modo influenciada pelo género e pela sexualidade. A a sua expressão pode mudar ao longo da vida, desde a adolescência até à idade adulta avançada. O género e a sexualidade estão presentes na vivência humana, na forma como a paixão é experienciada, na intimidade, no amor, no modo como cada um de nós se afirma perante a sociedade, na elaboração e na construção das relações afetivas e na forma como cresceremos nessas mesmas relações.

    As diversas formas de expressão da sexualidade humana são todas elas normativas e legítimas, desde que sejam vivenciadas de forma saudável e que não interfiram com a liberdade e a vontade dos outros. A vivência da sexualidade pode por vezes conduzir a períodos de angústia, tristeza, ansiedade, medo, vergonha, ou até mesmo desalento e resignação. Em alguns desses momentos, a partilha com um profissional de saúde habilitado, poderá ajudar a encontrar soluções para as dificuldades apresentadas. Estes podem oferecer informação, sugestões e estratégias para ajudar a lidar com as dificuldades, assim como poderá, após avaliação do caso, encaminhar para outro profissional especializado.

     As crenças e normas sociais atuais, podem por vezes ainda não estar ajustadas à diversidade humana, que se vê forçada muitas vezes a inserir numa sociedade que ainda pune e ostraciza muitas das expressões individuais da sexualidade, como é o caso dos indivíduos com incongruência entre o género sexual vivenciado e o seu género atribuído à nascença. A mudança de género e o processo de reatribuição sexual são processos organizadores na vida dos indivíduos, no entanto, são questões ainda fraturantes numa sociedade binária, apesar de terem vindo a ser feitos progressos nesta área.

    A sexualidade e a doença mental podem influenciar-se ou determinar-se mutuamente. As perturbações depressivas, as perturbações de ansiedade, o consumo de substâncias psicoativas, a perturbação bipolar ou a esquizofrenia, são exemplos de perturbações que podem dar origem ou estar em comorbilidade com dificuldades ao nível da sexualidade. Por outro lado, as disfunções sexuais podem de igual modo agravar ou desencadear patologia do foro psicológico ou psiquiátrico.

    O estilo de vida é também por si só potenciador das dificuldades ao nível da sexualidade, como por exemplo os consumos de álcool, tabaco ou drogas, que influenciando a saúde física se podem repercutir na saúde mental e sexual. Também as perturbações do sono, a alimentação e a ausência de atividade física, têm impacto a esse nível o que não deve ser desvalorizado. Outro fator que pode ter grande impacto na função sexual do indivíduo é alguma medicação crónica, pelos seus efeitos secundários. Este é um fator muito relevante e que merece toda a atenção, uma vez que é muitas vezes é a causa principal para o abandono da medicação, com todo o risco que isso pode implicar.

    As dificuldades ao nível da sexualidade e da sua vivência, podem ocorrer em qualquer idade e relacionam-se com a forma como o corpo, a mente, a intimidade se relacionam. As dificuldades sexuais resultam muitas vezes em sentimentos de culpa e de falha e fracasso. O apoio psicológico pode ser uma importante ajuda uma vez que fornece um “lugar” de contenção, de segurança para a expressão emocional, para a reestruturação de alguns pensamentos desadaptativos e também para o ensino e treino de estratégias para lidar com o problema. Estas perturbações são geralmente reversíveis com abordagens relativamente simples, sendo a sua maior barreira a desvalorização do problema ou a tardia procura de ajuda.

    Não deixe que sentimentos de vergonha, culpa, inferioridade ou desalento tomem conta da situação. Procure ajuda!

    Ser adolescente

    Ao atingir a puberdade, as crianças experienciam grandes e rápidas mudanças físicas, emocionais e sexuais, sobre as quais não têm controlo. Estas mudanças requerem uma adaptação e uma compreensão, sendo por vezes difícil ao adolescente lidar com o seu corpo e com os seus pensamentos, o que pode conduzi-lo a sentimentos de ansiedade ou ao isolamento social.

    Perante questões como “será normal a minha aparência’” ou “o que é que os outros pensam de mim?”, o adolescente toma consciência de si mesmo, mas também pode sentir alguma angústia pela inevitabilidade das mudanças com as quais está a ter que lidar, sem que por vezes esteja preparado para tal. É relativamente comum que a segurança e as certezas da infância desapareçam, dando lugar á dúvida e à ansiedade. Estes sentimentos são normativos, desde que o jovem consiga manter a sua funcionalidade e aos poucos se vá adaptando a um novo corpo, a um novo modo de estar, de pensar e de sentir. No entanto, alguns adolescentes, pelas suas características individuais, demoram mais tempo a fazer essa adaptação, por vezes com custos elevados para o seu bem-estar pessoal, familiar e relacional.

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    O ingresso no ensino superior

    A transição do ensino secundário para o ensino superior pressupõe uma série de alterações na vida dos jovens estudantes. As suas características pessoais e as exigências inerentes ao contexto académico, como a exposição a outras realidades e culturas, a saída de casa dos pais e a necessidade de maior autonomia, implicam mudanças que podem configurar o aparecimento de algumas dificuldades.

    Os estudantes universitários veem-se obrigados a desenvolver mecanismos adaptativos resultantes dos diferentes graus de autonomia e de maturidade. Novas responsabilidades como a gestão de um orçamento, do aluguer de uma casa ou quarto, a sua limpeza e manutenção, a aquisição e confeção das refeições, as alterações às rotinas habituais, os novos papéis e as novas relações e até mesmo a flexibilidade de regras o ensino superior, são fatores que exigem dos jovens uma maior capacidade de fazerem escolhas, tomarem decisões e resolverem problemas.

    A vida académica tem novos desafios aos quais os jovens estudantes vão ter que se adaptar. A complexidade de algumas matérias, a exigência dos trabalhos e exames, as descobertas inerentes aos novos relacionamentos, como a sexualidade, o consumo de álcool, são exemplo de alguns aspetos por vezes adversos e que podem gerar ansiedade, no entanto, também poderão contribuir de forma positiva para o desenvolvimento psicossocial e criativo dos jovens universitários.

    A maioria dos alunos que ingressa no ensino superior tem expectativas positivas em relação à experiência académica e às experiencias sociais inerentes. Porém, nem sempre a realidade corresponde às espectativas construídas ao longo dos últimos anos do ensino secundário. Este “desajuste” das espectativas manifesta-se tendencialmente durante o primeiro ano de faculdade, e por conseguinte, são por vezes sentidas maiores dificuldades de adaptação e menor desempenho académico.

    No final da adolescência os alunos possuem uma personalidade em construção, influenciam e são influenciados pelos grupos em que se inserem de forma recíproca. O ingresso no ensino superior vai oferecer-lhes um contexto experimentalmente estimulante, novos padrões de interação psicossocial e atividades curriculares e extracurriculares que preparam os alunos para a vida ativa, expressa pelas mudanças na sua dimensão pessoal e interpessoal ao longo do percurso académico.

    Embora requeira um período de adaptação e alguns obstáculos a enfrentar, a maioria dos jovens que ingressa no ensino superior, leva a cabo com sucesso o seu percurso académico. Se este período de adaptação for demasiado exigente para os recursos emocionais do jovem, o acompanhamento psicológico poderá ser um benefício importante a considerar, tendo em vista não só o sucesso académico mas também o equilíbrio e bem-estar do jovem!

    Adolescência: quando o tema é sexualidade

    A adolescência é um período de grandes mudanças, tanto a nível fisiológico como psicológico. Fase de descoberta, afirmação e construção da identidade, é rica em experiências e vivências comuns e normativas mas revestidas de um potencial de risco que merece toda a atenção e cuidado. Quando o tema é a sexualidade, não é exceção.

    A sexualidade é uma área que acompanha todo o curso de vida, desde o nascimento até à morte mas que tem particular relevância durante o período da adolescência. É nesta fase que o corpo e as suas transformações se tornam centrais na vida do jovem e emergem as questões relacionadas com a capacidade de atração e de desempenho. Numa fase inicial, os jovens preocupam-se mais com a sua aparência, baseiam-se muitas vezes em comparações com os modelos ditados pela sociedade e questionam-se acerca da adequação do seu desempenho, tendo em conta a sua ainda pouca experiência e dos seus pares.

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    OncoSexologia

    OncoSexologiaDecorreu nos passados dias 3 e 4 do corrente, no Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil em Lisboa )IPO), o Congresso Nacional de OncoSexologia, cujo foco incidiu sobre o impacto do cancro na sexualidade.

    O referido evento contou com a participação de palestrantes e formadores com “cartas dadas” na área da oncologia em Portugal, nomeadamente em urologia, ginecologia, endocrinologia, cirurgia plástica e reconstrutiva, enfermagem, psiquiatria e psicologia, entre outros. Participaram também outros oradores representantes de áreas distintas como a representação ou o jornalismo, com intervenções igualmente relevantes. Este congresso com caráter formativo abordou numa área tão específica como importante para o bem-estar e qualidade de vida dos indivíduos. Aberto à comunidade médica mas também a outros técnicos de saúde, nomeadamente enfermeiros e psicólogos, este foi um momento de formação, informação, sensibilização, reflexão e partilha. O curso abarcou temas como a sexualidade humana no Século XXI – do normal ao disfuncional; o sexo, a sexologia e a comunicação; a sexualidade na perspetiva do envelhecimento e da sobrevivência; inovação e reabilitação em OncoSexologia e ainda os workshops sobre treino de comunicação em OncoSexologia e os problemas sexuais no homem e na mulher com cancro. Continue a ler “OncoSexologia”