A vida, os filhos e o tempo

Tempo para os filhos

No decorrer da minha prática profissional enquanto psicóloga clínica em contexto pediátrico, venho cada vez mais a aperceber-me de que há pais que lutam com grandes dificuldades no exercício da sua parentalidade. Uma das questões que muito me preocupa é a questão do tempo ou da falta dele, muitas vezes referido pelos pais em consulta.

Os dias de hoje são sem dúvida de uma grande exigência para nós, comuns mortais, que acumulamos tarefas, funções e papéis, como se não houvesse amanhã. São as exigências académicas e a crescente competitividade nesse campo, por parte dos mais novos, com a necessidade de mostrarem um desempenho de excelência em todas as áreas, de serem os melhores, de ficarem à frente… Já para não falar das actividades extra-curriculares, encaixadas cuidadosamente entre os horários escolares e que fazem as nossas crianças andarem num verdadeiro carrossel de ocupações, mas isso será tema para outra reflexão.

No caso dos adultos, as exigências excedem a mais fértil das imaginações. Ter relações afetivas exemplares e satisfatórias, manter relações familiares harmoniosas, uma vida profissional ativa, conseguir emprego, manter o emprego e em alguns casos, ascender na carreira e ter muito sucesso, ter um regime alimentar adequado e uma figura esbelta, andar na moda, fazer férias fantásticas, viagens, ter amigos e alimentar essas relações, ter um bom carro, uma casa, ou duas, enfim, um número exaustivo de relações, manutenções, aquisições e aptidões, que muitas vezes não cabem numa vida. Fora todas as outras que eu não referi. E nem me atrevo a mencionar os mais velhos, os idosos, isso será também tema para outra reflexão.

Tempo para os filhosE isto, embora possa parecer, não é uma crítica. É o constatar que as exigências que nos são feitas, hoje em dia, podem ser tão vastas e diversificadas que por vezes nos deixam “à beira de um ataque de nervos”. E depois, ainda há a descendência. É legítimo, necessário, e natural que se queira ter filhos. Eles são sem dúvida uma dádiva. Se saudáveis e escorreitos, são a melhor das realizações, o melhor do mundo, um investimento para a vida e um amor incondicional. Salvo raras excepções.

E é aqui que eu questiono, perante uma sociedade tão exigente, afundada em tarefas, conquistas e relações de cariz variado, teremos todos nós a capacidade de enfrentar o enorme desafio da vida que é criar um filho, ou mais do que um?

Como já referi, os filhos são uma maravilha, quando tudo corre bem mas estaremos nós conscientes do trabalho que dá apoiar uma criança num desenvolvimento adequado e adaptativo. E o tempo? Ouvem-se frequentemente especialistas dizerem que o importante é a qualidade e não a quantidade de tempo que se dedica a uma criança, mas será mesmo assim? É claro que tempo de qualidade, mesmo pouco é sempre melhor que nada. O tempo sem qualidade, dividido com outras tarefas em vez de partilhado em atividades conjuntas, não vale.

Tempo para os filhosMas desengenem-se os que levam à letra esta máxima. As crianças precisam do nosso tempo todos os dias e de várias maneiras. Tempo para a ajuda nos cuidados básicos de higiene e alimentação, tempo para o apoio nas tarefas escolares e tempo para a satisfação de outra necessidade básica mas que por vezes é esquecida como tal que é o afecto e a partilha. E ainda, tempo para lhes oferecermos experiências de vida ricas e diversificadas. Assistir com os filhos a uma peça de teatro, fazer um passeio pelo campo ou descobrir as conchas que vivem nas rochas da praia, por exemplo, é um tempo que demora tempo. Estarão os casais, ao planearem ter filhos, cientes das exigências de tempo que implica serem pais? É esta a questão que lanço para discussão.

 

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