Nos cuidados de saúde primários, a intervenção em psicologia clínica consiste na prestação de serviços psicológicos aos indivíduos, ás famílias e à comunidade, fazendo a integração da promoção da saúde e da prevenção da doença, assim como o apoio assistencial.
A intervenção do psicólogo clínico em contexto de cuidados de saúde primários implica a adoção de um paradigma holista no entendimento da pessoa bem como dos processos de saúde e/ou doença. Pressupõe também a integração numa equipa multidisciplinar, no sentido de poder fazer um trabalho responsável, integrativo e colaborativo, entre o utente, a família e a comunidade, e os restantes profissionais dos cuidados de saúde primários, em articulação com os cuidados de saúde especializados, se necessário. Compreender o indivíduo e o seu contexto, requer a aplicação de um modelo multidimensional, centrado no indivíduo e nas suas particularidades que vise essencialmente a promoção da sua autonomia e do seu bem-estar, não só psicológico mas consequentemente físico e relacional.
Humanizar os serviços de saúde é urgente. Os avanços da tecnologia e da ciência podem por vezes levar a um “esquecimento” da pessoa humana. Há que mudar atitudes, típica e tradicionalmente adotadas por alguns profissionais e que se relacionam com um modelo de natureza biomédica – o médico ou outro profissional de saúde como figura de autoridade absoluta. A American Psychological Association (APA) defende a substituição da hierarquia pelo equilíbrio, onde o profissional de saúde assume maior evidencia na sua relação com o utente quando apresenta maior contingência nas situações que ocorrem, face às reais necessidades do indivíduo. Só deste modo se torna possível um trabalho colaborativo e cooperante, em que o profissional em posse de conhecimento, de técnicas e de estratégias de intervenção, poderá conseguir uma verdadeira parceria na sua relação com o utente mas também com a restante equipa.
Sendo os cuidados de saúde primários, por definição, aqueles que estão mais próximos e mais acessíveis aos indivíduos, o psicólogo clínico e da saúde, ao desempenhar as suas funções neste contexto, constitui-se como a primeira linha de intervenção. Assim, deverá adotar um modelo bioecológico que lhe permita compreender os comportamentos relacionados com a saúde, em função de um determinado contexto familiar, social e cultural. As áreas de intervenção psicológica prioritárias em contexto de cuidados de saúde primários, são essencialmente promover a saúde, prevenir a doença/incapacidade, detetar precocemente a doença e trata-la. Deste modo, tanto o psicólogo como os restantes elementos da equipa de saúde deverão levar em consideração não só o doente mas a sua família e os contextos em que este se movimenta. As competências do psicólogo da saúde nestes contextos clínicos incluem o conhecer e compreender as variáveis envolvidas na vida do doente mas também a tomada de consciência face às suas próprias limitações, aquando do planeamento das intervenções. Tudo isto se prende com a avaliação, não só do doente/caso mas também dos seus próprios recursos e habilidades.
O psicólogo clínico e da saúde nos cuidados de saúde primários, tem como principais funções a avaliação psicológica, o planeamento, desenvolvimento, implementação e monitorização de programas de promoção da saúde, de prevenção e de tratamento da doença, assim como o desenvolvimento de investigação e a participação em atividades formativas e psicoeducativas. As suas funções envolvem ainda o apoio ao doente na aceitação do diagnóstico, na adesão a realização de exames auxiliares de diagnóstico ou práticas e tratamentos mais invasivos e na adesão à medicação, bem como ao fornecimento de recomendações referentes a práticas de autocuidado e de reabilitação. A facilitação de estratégias para lidar com o stresse decorrente de toda a envolvência da situação de doença, quer ao próprio, quer aos familiares e cuidadores, é outra das funções do psicólogo clínico e da saúde, assim como o auxílio na comunicação com outros elementos da equipa de saúde. O psicólogo poderá ter também um papel importante na racionalização dos comportamentos de procura e de utilização dos cuidados de saúde, e como já foi referido, na promoção da qualidade e da humanização dos serviços. É ainda de salientar a importância do psicólogo no apoio aos profissionais de saúde de outras áreas (enfermeiros, médicos, administrativos) para os ajudar a lidarem com as possíveis situações de stresse decorrentes do exercício da profissão.
A investigação mais recente aponta para os enormes benefícios para o bem-estar da comunidade, da integração de psicólogos clínicos nas equipas de cuidados de saúde primários. Considerando o impacto do aumento da prevalência dos problemas de saúde mental, principalmente as perturbações de ansiedade e as perturbações depressivas, e o crescente aumento da prescrição de ansiolíticos e antidepressivos, torna-se fundamental determinar e concretizar o nível de penetração da psicologia da saúde, nos centros de cuidados de saúde primários, de clarificar o papel específico do psicólogo da saúde nestes mesmos locais e de considerar seriamente o impacto do visível aumento dos problemas de saúde mental, quer em termos de qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade quer pela sua repercussão em termos orçamentais, ou seja, no peso que estes representam para o também já “doente” Serviço Nacional de Saúde.
Sugestão:
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