Em defesa do toque

Faz parte dos comportamentos adequados para a prevenção da contaminação com o vírus da COVID-19, a etiqueta respiratória e o distanciamento social. Este distanciamento implica que fomos obrigados a deixar hábitos em nós enraizados, como é o caso do beijo, do abraço ou do aperto de mão.

Em tempos de pandemia, o modo de cumprimentar mudou de forma radical. O toque deixou de existir. Beijinhos, apertos de mão, palmadinhas nas costas e abraços foram eliminados aos nossos gestos diários e habituais. Em vez disso e a bem de todos, foram inseridos outros gestos como os toques de pé, de cotovelo ou até as vénias. O sorriso, outro gesto quase automático e revelador de agrado por ver o outro, está agora escondido por detrás de máscaras, mais ou menos personalizadas e por vezes até, a combinar com as roupas mas que inevitavelmente escondem o que algumas pessoas têm de melhor para dar aos outros.

Proponho-me defender o aperto de mão. Se por um lado, o beijo e o abraço implicam uma proximidade bastante evidente com todo o risco associado e sobejamente conhecido nos dias que correm e por razões mais que justificadas, o aperto de mão a meu ver, é um pouco diferente. O contacto com quaisquer superfícies ou objetos através do toque com as mãos é inevitável nas mais diversas situações do dia-a-dia. Temos que abrir e fechar portas de casas, prédios, lojas, automóveis… Apoiamo-nos em corrimãos, tocamos botões de elevadores… Nas lojas, mexemos em diversos artigos, damos e aceitamos cartões de pagamento ou dinheiro em papel ou moedas. No supermercado, seguramos cestos e empurramos carrinhos de compras com as mãos. Enfim, estes são alguns exemplos de gestos do quotidiano, potencialmente arriscados no que diz respeito à contaminação.

É claro que todos os gestos anteriormente referidos deverão ser seguidos de uma eficaz lavagem das mãos ou da desinfeção das mesmas com o produto próprio para o efeito. Da mesma forma, defendo que o toque/aperto de mão poderia estar incluído em algumas situações das nossas vidas, nomeadamente no contacto com os mais significativos. Apertar a mão a alguém, implica o toque mas ao mesmo tempo, o comprimento de dois braços estendidos permite um distanciamento relativo e não menor que o do toque de cotovelos. Por outro lado, após esse toque, as mãos podem ser desinfetadas por ambos os intervenientes, sendo o risco de contaminação idêntico àquele que se corre por tocar em qualquer uma das superfícies acima mencionadas. E a questão que surge poderá ser “que jeito tem estar a apertar a mão a alguém e depois desinfetar logo de seguida? Até pode parecer mal…” A esta altura da situação de pandemia já todos estão sobejamente informados acerca dos riscos de contaminação e poderão compreender e aceitar esses cuidados.

Permito-me agora falar um pouco acerca da importância do toque. O ato de tocar é um comportamento que pode conter alguns elementos fundamentais para o desenvolvimento do ser humano, proporcionando bem-estar físico, emocional e social. Tocar é uma forma de comunicação não-verbal muito importante nas relações humanas. Estudos científicos revelam que o toque tem um poder terapêutico e muitas vezes, segurar a mão de alguém fornece o conforto e a segurança necessárias para enfrentar, por exemplo, tratamentos invasivos em situação de doença fisiológica.

Em contexto de consulta de psicologia, o toque por vezes pode ser muito eficaz, embora hajam algumas correntes que não o recomendem. No entanto, com os devidos limites, tocar o braço ou a mão de alguém pode ser muito tranquilizador e adaptativo em situações de desorganização emocional, por exemplo. O toque pode transmitir conforto, segurança, empatia, compreensão, enfim, um sem número de sentimentos positivos. O toque pode significar afeto. Tanto os bebés como os mais velhos são particularmente sensíveis ao toque, sendo este para eles, uma forma de sentirem apoio, proteção, aconchego e bem-estar.

Depois de um longo período de confinamento, de se estar separado de alguns familiares e amigos tão importantes nas nossas vidas, é por vezes muito doloroso e estranho não os poder tocar no momento do reencontro. Devo uma vez mais deixar bem claro que as recomendações veiculadas pela Direção Geral de Saúde são extremamente importantes e que devem ser seguidas, porém, defendo que o toque no braço ou o aperto de mão, pode em alguns casos ser muito mais terapêutico do que perigoso, devendo é claro ser feito com cuidado e principalmente seguido da desinfeção das mãos. E esta desinfeção das mãos não tem que ser um problema, principalmente se for previamente “combinado” entre os intervenientes.

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