Síndrome das pernas inquietas

O quadro das perturbações do sono-vigília é consideravelmente variado, englobando entre outras, a perturbação de insónia, a narcolepsia, as perturbações do sono relacionadas com a respiração, a perturbação de pesadelos e a síndrome das pernas inquietas. Embora muitas pessoas refiram ter dificuldades de sono, muitas vezes identificar o tipo de perturbação, as causas e as suas consequências, nem sempre é fácil.

Uma das perturbações do sono que desperta maior curiosidade, até porque não será a mais comum, é a síndrome das pernas inquietas. É uma perturbação neurológica sensoriomotora do sono e que se caracteriza por um intenso desejo de mover as pernas (ou os braços) associado a sensações desconfortáveis tipicamente descritas como formigueiro, latejar, rastejar ou sensação de queimadura. O diagnóstico desta perturbação tem por base inicial o relato do doente e a sua história clínica. Os sintomas tornam-se mais intensos quando o indivíduo está em repouso, sendo que os movimentos frequentes das pernas derivam de um esforço do mesmo para aliviar o desconforto que sente. Estes sintomas são frequentemente mais intensos ao final do dia e à noite. Este desconforto nas pernas deve ser diferenciado de cãibras ou de outro desconforto decorrente de mal posicionamento.

Os sintomas desta perturbação podem contribuir para o atrasar do início do sono mas também para provocar o despertar, associando-se deste modo a uma fragmentação do sono, nada benéfica para o indivíduo. A sonolência diurna pode ser uma consequência, bem como o défice funcional ou o sofrimento psicológico. Para um diagnóstico de síndrome das pernas inquietas é necessário que os sintomas ocorram pelo menos 3 vezes por semana e que persistam pelo menos durante 3 meses. É ainda necessário por de parte qualquer relação entre a necessidade de mover as pernas e outros quadros clínicos como por exemplo outra perturbação mental, artrite ou edema das pernas, entre outras patologias ou condição comportamental.

Os movimentos periódicos dos membros durante o sono podem servir como evidência que corrobora a presença desta síndrome em mais de 90% dos casos, concomitantemente com os relatos de dificuldade em iniciar ou manter o sono e de sonolência diurna excessiva. Outro indicador que pode ajudar a suportar o diagnóstico é a presença destes movimentos durante a vigília. Os fatores familiares, entre parentes em primeiro grau, podem ser incluídos nas características adicionais de diagnóstico.

A taxa de prevalência da síndrome das pernas inquietas é variável, e dependendo dos critérios utilizados na avaliação do caso, pode oscilar entre os 2% e os 7%, com maior incidência no género feminino, parecendo aumentar também com a idade. O início desta perturbação ocorre habitualmente entre os 20 e os 30 anos, no entanto, cerca de 40% dos sujeitos diagnosticados em adultos, referem ter experienciado os primeiros sintomas ainda antes dos 20 anos e 20% antes dos 10 anos. A taxa de prevalência aumenta de forma estável com a idade, até aproximadamente aos 60 anos, mantendo-se os sintomas estáveis ou podendo diminuir em faixas etárias mais avançadas. O curso clínico desta síndrome é diferente conforme a idade do seu inicio. Quando o início é antes dos 45 anos a progressão é tendencialmente mais lenta, pelo contrário, se o início é tardio a progressão é tipicamente mais rápida.

Suspeita-se que a origem desta síndrome possa estar associada a um desequilíbrio da dopamina no cérebro, neurotransmissor muito importante para o controlo dos movimentos. A esta causa poderão ainda associar-se causas secundárias como um estilo de vida sedentário, o consumo de substâncias psicoativas, a ingestão de estimulantes como por exemplo a cafeina, o défice de ferro no organismo, a gravidez ou a presença de outras patologias como a diabetes, deficiência renal ou hepática ou doenças cardiovasculares. Outras doenças neurológicas, como doença de Parkinson, neuropatia periférica ou a esclerose múltipla podem estar associadas a esta perturbação. Ainda de referir outras comorbilidades como a perturbação de ansiedade, as perturbações depressivas ou perturbação da atenção, que se podem constituir como uma consequência funcional da síndrome das pernas inquietas.

No que diz respeito ao tratamento, por vezes, ao tratar uma condição subjacente, tal como uma deficiência de ferro ou neuropatia periférica, alivia bastante os sintomas da síndrome das pernas inquietas. Quando esta síndrome não tem nenhuma condição associada, o tratamento deve-se focar nas mudanças no estilo de vida. Boas práticas de higiene do sono podem ajudar a lidar com este problema. Por outro lado, e se necessário, pode recorrer-se a terapia medicamentosa, com relaxantes musculares ou outros. O acompanhamento médico é essencial, principalmente nos casos mais graves. Os casos mais ligeiros a moderados, poderão beneficiar de um acompanhamento psicológico, tendo em vista uma intervenção comportamental no apoio à mudança e ao aumento da funcionalidade do indivíduo e consequentemente da sua qualidade de vida.

Fonte:

Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais – Quinta Edição (DSM-V). American Psychiatric Association.

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