
Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais – DSM-V, as perturbações relacionadas com substâncias e perturbações aditivas englobam 10 classes de drogas, entre as quais se inclui o tabaco. À semelhança de outras substâncias, o tabaco ativa diretamente o sistema de recompensa do cérebro, que está envolvido no reforço de comportamentos e na produção de memórias.
O uso de substâncias psicoativas ativa diretamente o sistema de recompensa e produz uma sensação de prazer. Os indivíduos com níveis mais baixos de autocontrolo, podem estar particularmente vulneráveis ao desenvolvimento de perturbações do uso de substâncias, ao invés de conseguirem a ativação do sistema de recompensa, apenas por meio de comportamentos adaptativos, como seria desejável. Foquemo-nos então na substância tabaco. O tabaco é uma droga legal e socialmente aceite o que a torna mais perniciosa do que à partida se poderia pensar. Habitualmente de início precoce, o consumo de tabaco faz parte da integração de alguns adolescentes no grupo, bem como da sua afirmação enquanto indivíduos. Parece haver uma diferenciação de género, sendo que tendencialmente as raparigas iniciam hábitos tabágicos para expressarem rebeldia e autoconfiança, enquanto os rapazes parecem utilizar esses hábitos como mecanismo compensatório para a sua insegurança social. Estes hábitos adquiridos em idade precoce, para além das conhecidas consequências negativas ao nível respiratório e cardiovascular, entre outros, podem ainda escalar para um problema de saúde mental – um comportamento aditivo.

Para que se possa diagnosticar uma perturbação do uso de tabaco, é necessário que se verifiquem, num período de 12 meses, pelo menos dois dos seguintes critérios: o tabaco ser muitas vezes consumido em quantidades maiores do que se pretendia; haver um desejo persistente ou esforços mal sucedidos para diminuir o consumo; existir um impulso ou um forte desejo para fumar; utilizar recorrentemente o tabaco, resultando na incapacidade de cumprir obrigações importantes no trabalho ou na escola; deixar de participar em atividades sociais, ocupacionais ou recreativas devido ao uso do tabaco ou quando o uso do tabaco é continuado, apesar de saber ter um problema físico ou psicológico, recorrente ou persistente, que provavelmente é causado ou exacerbado pelo consumo de tabaco.

A tolerância ao tabaco é exemplificada pelo desaparecimento de tonturas ou náuseas depois do consumo repetido. Por outro lado, a cessação do seu consumo pode produzir uma síndrome de abstinência bem definida, em que muitos indivíduos com perturbação do uso de tabaco o utilizam para evitar os sintomas. Um fumador abusivo tem habitualmente um impulso e uma necessidade extrema de fumar – craving – e torna-se naquilo a que habitualmente se designa de “fumador em cadeia”, ou seja, fumar um cigarro a seguir a outro, sem qualquer intervalo. Outras situações associadas a esta perturbação são o fumar diariamente, o acordar a meio da noite para fumar, sentir necessidade de fumar nos primeiros 30 minutos do dia e fumar cada vez um maior número de cigarros. O uso continuado do tabaco pode conduzir, como se sabe, a patologias médicas graves como cancro pulmonar ou outro, doença cardíaca e/ou respiratória, envelhecimento cutâneo acelerado, e, no caso das mulheres, a problemas de infertilidade ou problemas perinatais, como por exemplo o baixo peso à nascença dos seus bebés ou o aborto.

No que diz respeito a fatores de risco para o consumo de tabaco e para o desenvolvimento de uma perturbação desta natureza podemos incluir 3 tipos: temperamentais, ambientais e genéticos ou fisiológicos. Os fatores de risco temperamentais prendem-se com os traços de personalidade do indivíduo. Pessoas mais externalizantes têm a probabilidade de iniciarem o consumo de tabaco aumentada. Indivíduos com perturbação depressiva, de ansiedade, bipolar ou perturbação da personalidade, ou ainda uma perturbação de uso de outras substâncias têm maior propensão para iniciarem e continuarem o hábitos tabágicos. Quanto aos fatores ambientais, parece haver evidência que os indivíduos com baixos rendimentos e baixos níveis de educação, têm maior probabilidade de iniciar o consumo de tabaco, bem como tendencialmente terão menor probabilidade de pararem. Os fatores genéticos também podem contribuir para o início do uso de tabaco, para a continuação do seu uso e para a evolução para uma perturbação de uso de tabaco. O grau de hereditariedade para esta perturbação é de cerca de 50%, á semelhança do que é observado em perturbações do consumo de outras substâncias.

As consequências médicas do uso de tabaco iniciam em média quando os fumadores alcançam a casa dos 50 anos, e por norma, tornam-se progressivamente mais debilitantes ao longo do tempo. Cerca de 50% das pessoas com perturbação do uso do tabaco e que não param o seu consumo, irão provavelmente morrer precocemente de doenças relacionadas com o tabaco. A maioria das condições médicas resulta da exposição ao monóxido de carbono, alcatrão e a outros agentes tóxicos do tabaco. O maior preditor da reversibilidade da patologia é a duração do tabagismo. Ou seja, quanto maior é o período da vida em que o indivíduo é fumador, menor é a possibilidade de remissão da patologia que vier a desenvolver. O tabagismo passivo é uma realidade a ser levada em consideração. Também esta forma de tabagismo aumenta em 30% o risco de doença cardíaca e de cancro.

Deixar de fumar pode ser muito difícil, e ao tentar, muitas pessoas debatem-se com desafios difíceis como a abstinência. Esta, caracteriza-se por sintomas mais ou menos intensos, que prejudicam fortemente o sucesso da paragem do seu uso. Os sintomas mais comuns são a irritabilidade, frustração, raiva, ansiedade, dificuldades de concentração, aumento do apetite, insónia e humor deprimido. Estes sintomas devem-se essencialmente á privação da nicotina. Os sintomas são muito mais intensos nos indivíduos fumadores ou utilizadores de tabaco sem fumo do que os que usam medicamentos de nicotina. Esta diferença deve-se provavelmente ao início mais rápido e níveis mais elevados de nicotina nos fumadores de cigarros. A síndrome de abstinência é frequente nos utilizadores diários que param ou reduzem mas também pode ocorrer em utilizadores não diários. Tipicamente a frequência cardíaca baixa cerca de 5 a 12 batimentos cardíacos por minuto após os primeiros dias sem fumar. A abstinência pode também produzir alterações do humor que podem afetar significativamente a funcionalidade do individuo.

Sendo o consumo de tabaco uma prática que envolve tantos riscos para a saúde (e também financeiros), são vários os apelos para que programas de cessação tabágica sejam implementados. Esses programas podem ser grupais ou individuais e, tratando-se de uma tarefa difícil, o apoio especializado pode ser a melhor opção. Existem atualmente inúmeras técnicas e programas já testados, que revelam grande eficácia e que tornam o processo menos doloroso e solitário. A intervenção psicológica de orientação cognitivo-comportamental é sem dúvida das mais eficazes e com efeitos mais duradouros. Se é o seu caso, não deixe de procurar apoio, invista na sua saúde e no seu bem-estar.
Fonte: Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais – Quinta Edição (DSM-V). American Psychiatric Association.