
Dentro do espectro das perturbações do comportamento alimentar, também descritas como perturbações da alimentação e da ingestão, podemos encontrar vários tipos, cada qual com as suas especificidades e critérios de diagnóstico. A anorexia nervosa é uma das perturbações mais conhecidas, a par da bulimia ou da perturbação de compulsão alimentar.
A anorexia nervosa é uma perturbação do foro mental e deve ser tratada como tal. O estigma associado (cada vez menos) à saúde mental, pode levar à falta de acompanhamento e a um atraso na avaliação e correto encaminhamento do caso. Em casos muito ligeiros, por vezes, a psicoterapia pode ser eficaz por si só, no entanto, muitas vezes é necessária uma intervenção multidisciplinar, que inclui pelo menos o médico psiquiatra, o psicólogo e o nutricionista. Habitualmente não é o doente que procura ajuda mas sim os seus familiares, após acentuada perda de peso. Quando é o próprio doente a procurar ajuda profissional, fá-lo frequentemente devido ao mal-estar que decorre das sequelas somáticas e fisiológicas do jejum. Raramente uma pessoa que sofre de anorexia nervosa se queixa do emagrecimento por si, uma vez que em regra, não tem consciência do problema ou nega-o. Por esta razão, a família pode constituir-se como uma importante fonte de informação na avaliação da história da perda de peso e das outras características da doença.

Para se poder diagnosticar anorexia nervosa, há três critérios que devem estar presentes. Um deles é a restrição do consumo de energia (alimentos) relativamente às necessidades, conduzindo a um peso significativamente baixo para a idade, sexo, trajetória de desenvolvimento e saúde física. Este peso significativamente baixo é definido como um peso corporal abaixo do nível normal mínimo, e, tratando-se de crianças ou adolescentes, abaixo do peso mínimo esperado. Também é critério de diagnóstico desta patologia, o medo intenso de ganhar peso ou engordar ou ainda os comportamentos persistentes que interferem com o aumento do peso (ex. excesso de atividade física), mesmo quando a pessoa já tem um peso significativamente baixo. O terceiro critério prende-se com a perturbação na própria apreciação (autoavaliação) do peso ou forma corporal ou a persistente ausência de reconhecimento da gravidade do baixo peso apresentado.

A anorexia nervosa pode apresentar dois subtipos: restritivo ou ingestão compulsiva/purgativo. O subtipo restritivo inclui doentes que nos últimos 3 meses não recorreram a episódios de ingestão alimentar compulsiva ou a comportamentos purgativos recorrentes (ex. vómito ou uso desadequado de laxantes ou diuréticos). Este subtipo descreve as formas clínicas nas quais a perda de peso é conseguida principalmente com restrição alimentar, jejum ou excesso de exercício físico. Quanto ao subtipo de ingestão compulsiva/purgativo, o indivíduo recorre pelo menos nos últimos 3 meses, a episódios de compulsão alimentar ou a comportamentos purgativos recorrentes. O doente com anorexia nervosa pode apresentar-se em remissão parcial ou total. Após o diagnóstico, quando o primeiro critério já não se observa durante um prolongado período de tempo, mas ainda está presente o medo intenso de ganhar peso ou os comportamentos persistentes que interferem com o ganho de peso, ou ainda a desadequação na autoavaliação do próprio peso ou forma corporal, diz-se que o doente está em remissão parcial. Se após ter preenchido todos os critérios de diagnóstico, o doente, durante um longo período de tempo, não apresenta nenhum deles, então diz-se que está em remissão total.

Para os adultos, o nível de gravidade, baseia-se no índice de massa corporal (IMC) atual. Considera-se anorexia ligeira se o IMC for igual ou superior a 17 kg/m2, moderada de 16-16.99 kg/m2, grave se 15-15.99 kg/m2 e anorexia extrema, se o IMC for inferior a 15 kg/m2 (Organização Mundial de Saúde). Tratando-se de crianças ou adolescentes, a gravidade mede-se pelo percentil de IMC. O nível de gravidade da doença pode ser aumentado para refletir os sintomas clínicos, o grau de incapacidade funcional e a necessidade de supervisão. A prevalência a 12 meses da anorexia nervosa em mulheres jovens é de aproximadamente de 0.4%, sabendo-se ainda muito pouco acerca da prevalência no sexo masculino. No entanto, esta doença é muito mais comum no sexo feminino do que no masculino, refletindo uma proporção de cerca de 1 caso no homem para 10 casos em mulheres.

Os sinais e sintomas da anorexia nervosa, para além da visível redução do peso, traduzem-se em amenorreia (falta do período menstrual) ou atraso da menarca, dores abdominais, obstipação, excesso de frio, apatia ou indolência extrema. Pode ocorrer também bradicardia (movimento lento do coração), hipotensão e hipotermia. Alguns doentes desenvolvem lanugo, ou seja, uma penugem fina pelo corpo, podendo também observar-se um amarelecimento da pele. Tanto nos doentes com anorexia nervosa, como com bulimia, pode ocorrer erosão do esmalte dentário, devida aos ácidos gástricos presentes no vómito. Alguns indivíduos podem apresentar calosidades ou cicatrizes no dorso da mão, como resultado do contacto repetido desta com os dentes, quando o vómito é induzido. É extremamente importante fazer-se a avaliação da ideação suicida, pois o risco de suicídio é relativamente elevado nesta patologia (cerca de 12/100 000).

No que diz respeito a fatores de risco, as perturbações de ansiedade ou os traços obsessivos na infância podem aumentar a predisposição para o desenvolvimento deste tipo de perturbação. Por sua vez, a variabilidade histórica e entre culturas na prevalência da anorexia nervosa, suporta a sua associação com grupos culturais e contextuais em que a magreza é valorizada, podendo concorrer para o aumento do risco. Do mesmo modo, também os fatores genéticos podem potenciar o surgimento desta patologia, podendo o risco ser aumentado pela existência de história de anorexia nevosa, bulimia, perturbações depressivas ou bipolaridade em familiares biológicos em primeiro grau. Os doentes com anorexia nervosa podem apresentar uma variedade de limitações na sua funcionalidade associadas á perturbação. Enquanto uns permanecem ativos no seu funcionamento social e profissional, outros apresentam isolamento social significativo e acentuado decréscimo na atividade escolar ou profissional.

Fique atento aos sinais e ajude os seus familiares/amigos a procurarem apoio especializado. O cuidado e a atenção dos outros é fundamental para estes doentes, que por si só, tendencialmente não procuram ajuda ou só o fazem em situações, já de extrema gravidade.
Fonte: DSM-V – Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (Quinta edição) de American Pshychiatric Association.