
A Perturbação Dissociativa da Identidade (PDP) surge recentemente na literatura e envolve uma controvérsia associada principalmente à dificuldade na definição do termo dissociação. Entre outras formas, a dissociação pode ser descrita como uma falha na integração de dois ou mais diferentes sistemas de ideias e funções que constituem a personalidade.
O fenómeno dissociativo movimenta-se num espectro que vai desde a dissociação não patológica (ex. sonhar acordado ou estar intensamente focado numa tarefa) até à Perturbação Dissociativa da Personalidade, esta sim uma patologia do foro mental, habitualmente associada a experiências traumáticas. O processo dissociativo implica a alteração de um estado de consciência que não é organicamente induzida. Ou seja, envolve uma alteração temporária ou a separação de processos mentais que em situação normal estariam integrados. Segundo Bultler (2004), a natureza dos processos dissociativos normativos cinge-se a uma intensa concentração e envolvimento cognitivo em alguns aspetos da consciência, em detrimento de outros componentes. O grau de dissociação oscila num continuum desde os processos normativos e transitórios, decorrentes do dia-a-dia, até aos processos de dissociação patológicos, classificados como crónicos e severos.

A Perturbação Dissociativa da Identidade torna-se legítima como entidade de diagnóstico, ao ser incluída no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-III – APA, 1980) que determina o diagnóstico da patologia mediante a identificação de determinados critérios. Atualmente, a mais recente versão deste manual (DSM-V), refere que para diagnóstico desta patologia, deverão estar presentes critérios como: disrupção da identidade caracterizada por dois ou mais estados da personalidade distintos, os quais podem ser descritos em algumas culturas como experiencias de possessão. A disrupção da personalidade envolve uma marcada descontinuidade no sentido do Eu, acompanhada por alterações no afeto, consciência, comportamento, perceção, memória, cognição ou funcionamento sensoriomotor. Estes sintomas ou sinais podem ser observados por outros ou apenas relatados pelo indivíduo.

Outro critério para o diagnóstico da PDP prende-se a lacunas recorrentes na recordação de acontecimentos do dia-a-dia, informação pessoal importante ou eventos traumáticos, que não são consistentes com o vulgar esquecimento. Por outro lado, os sintomas devem causar mal-estar ou incapacidade, com significado clínico, ao nível da funcionalidade do indivíduo. Há ainda que analisar se as manifestações associadas à PDP não têm a ver com práticas culturais ou religiosas, aceites em algumas sociedades. Na infância os sintomas podem ser confundidos com brincadeiras de fantasia ou o “amigo imaginário”, pelo que devem ser cuidadosamente avaliados. Os sintomas dissociativos podem ser experienciados como a) intrusões espontâneas na consciência e no comportamento, acompanhadas por perdas de continuidade na experiência subjetiva, ou seja, sintomas dissociativos “positivos” como a fragmentação da identidade, despersonalização e desrealização); e como b) incapacidade de acesso a informação ou controlo das funções mentais que normalmente são passíveis de acesso e controlo, ou seja, referem-se aos sintomas dissociativos “negativos” como a amnésia.

Vários estudos apontam para a evidência de que a dissociação está etiologicamente associada a perturbações relacionadas ao trauma e ao stresse. Esta evidência é consistente com a teoria de que a dissociação é uma reação à exposição sistemática ao trauma (Ex. abuso sexual) e ao stresse (Ex. maus-tratos). Esta patologia pode também estar associada ao desenvolvimento de Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT). Importa diferenciar os indivíduos com sintomas referentes unicamente à PSPT dos indivíduos que partilham sintomas de ambas as perturbações. Sendo assim, foi incluído no DSM-V um subtipo dissociativo da PSPT, no qual o indivíduo satisfaz os critérios para a essa patologia em conjunto com outros sintomas dissociativos como por exemplo a despersonalização (experiências persistentes e recorrentes de se sentir separado, como se fosse um observador externo dos próprios processos mentais e do seu corpo) e desrealização (experiências persistentes e recorrentes de irrealidade do ambiente que o rodeia).

A Perturbação Dissociativa da Identidade resulta da exposição sucessiva a experiências traumáticas precoces, o que pode perturbar a unificação da identidade através da criação de estados mentais e comportamentais. É neste contexto de trauma severo e crónico, durante o período da infância, que são desenvolvidos os sintomas dissociativos, podendo até ocorrer profundas perturbações de vinculação. A PDP é definida pela presença de uma ou mais identidades, sendo que cada uma delas assume o controlo do corpo. Os sintomas mais proeminentes desta perturbação são a amnésia dissociativa, a fuga dissociativa, a despersonalização, a desrealização, as alterações na identidade e sentimentos de confusão da identidade.

A fuga dissociativa caracteriza-se pelo afastamento súbito e inesperado de casa ou de um local habitual do indivíduo, acompanhado pela incapacidade de recordação de informações pessoais básicas e dados do passado (Ex. o individuo acorda noutro local sem se recordar de como foi lá parar), o que é um sintoma praticamente exclusivo da Perturbação Dissociativa da Personalidade. A despersonalização remete para experiências irreais ou de desligamento da mente, do corpo e do self, sendo que a desrealização refere-se às mesmas experiências irreais e de desligamento, mas neste caso, do todo que envolve o indivíduo.

Os sintomas dissociativos podem dividir-se em sintomas psicoformes e somatoformes. Os primeiros referem-se às alterações de memória, de conhecimento, da identidade e da perceção alterada face ao contexto. Os segundos incluem sintomas que se manifestam a nível corporal (Ex. anestesia, paralisia, tiques) que são percebidos como uma falha na integração sensorial e motora, associada ao trauma psicológico. Podemos ainda distinguir os sintomas dissociativos negativos dos positivos, ou seja, os negativos são referentes às perdas aparentes, como por exemplo a memória, o controlo motor, a amnésia dissociativa, a perda dissociativa de afeto e vontade, a analgesia dissociativa ou a perda de controlo motor. Os sintomas dissociativos positivos compreendem ideias, reações e funções de uma parte da personalidade dissociada, que intermitentemente se intromete em uma ou mais partes dissociativas. Entre estes sintomas salientam-se os flashbacks dissociativos, o total reviver de uma situação traumática e a intrusão de vozes e pensamentos bem como sentimentos e sensações físicas.

A prevalência desta perturbação é relativamente baixa, sendo ligeiramente mais frequente no género masculino. No que diz respeito aos fatores de risco salientam-se os ambientais, que parecem ser os mais relevantes, tais como o abuso físico, sexual e/ou negligência na infância. Outros aspetos ligados à PDI e com pior prognóstico relacionam-se com o abuso mantido, reexposição ao trauma, comorbilidade com outras perturbações mentais, doença médica grave e o atraso no tratamento apropriado. O risco de suicídio é muito elevado nos doentes com PDI (cerca de 70% tentaram o suicídio ou executaram comportamentos autolesivos). Pode ser muito difícil fazer a avaliação do risco de suicídio nestes indivíduos, sobretudo quando existe amnésia para comportamentos suicidários passados ou quando a identidade apresentada não se sente suicida e não tem consciência de que outra identidade dissociada o sente.

Em termos de consequências funcionais, os indivíduos com PDP e elevado nível de funcionalidade podem comprometer mais as suas funções relacionais do que a vida profissional e ocupacional. No entanto, estes pacientes tendem a desvalorizar o impacto dos seus sintomas dissociativos. Com o tratamento adequado, muitos indivíduos incapacitados revelam marcada melhoria no seu funcionamento, no entanto, alguns mantêm-se muito incapacitados na grande parte das suas atividades, podendo apenas responder ao tratamento muito lentamente, com redução gradual e tolerância melhorada dos sintomas dissociativos, e, podem mesmo conseguir diminuir o uso de níveis de cuidados mais restritivos.

Fontes:
Barlow, M. R. (2005). Memory and fragmentation in dissociative identity disorder (Doctoral dissertation). University of Oregon, USA.
Butler, L. D. (2004). The dissociations of everyday life. Journal of Trauma & Dissociation, 5(2), 1-11.
DSM-V – Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (Quinta edição) de American Pshychiatric Association.
Nijenhuis, E. R. S., & van der Hart, O. (2011). Dissociation in Trauma: A New Definition and Comparison with Previous Formulations, Journal of Trauma & Dissociation, 12:4, 416-445.