As férias de verão, tradicionalmente encaradas como um período de descanso e convívio familiar, podem paradoxalmente tornar-se fonte de tensão e conflito nas relações conjugais. Embora a expectativa de qualidade de tempo juntos seja elevada, a experiência real pode revelar vulnerabilidades relacionais, exacerbadas por alterações bruscas de rotina, aumento de tempo em coabitação e diferenças nas expectativas pessoais. A psicologia cognitivo-comportamental (PCC), enquanto modelo terapêutico amplamente validado cientificamente, oferece uma lente útil para a compreensão estas dificuldades e propõe estratégias eficazes de intervenção.

Do ponto de vista cognitivo-comportamental, a rotina desempenha um papel regulador importante na estabilidade emocional e comportamental dos indivíduos. O período de férias, ao quebrar os hábitos diários estabelecidos (como o trabalho, o horário escolar dos filhos ou o tempo individual), pode gerar um aumento do stresse, sobretudo quando as necessidades emocionais e de espaço pessoal não são respeitadas. Beck (1976) descreveu o modo como os pensamentos automáticos e as crenças centrais influenciam a percepção da realidade e o modo como os indivíduos interpretam as ações dos outros. Assim, um cônjuge que valorize o descanso, pode por exemplo interpretar como falta de empatia o desejo do outro em programar atividades intensas. Esta interpretação, baseada em cognições distorcidas, pode gerar irritação e conflito.

Durante as férias, surgem expectativas elevadas quanto ao convívio, diversão e aproximação emocional, as quais nem sempre são realistas. Quando estas expectativas não são alcançadas, surgem sentimentos de frustração e decepção. Podemos identificar várias distorções cognitivas que podem estar presentes nestas situações, como a “leitura mental” (presumir que se sabe o que o outro pensa), a “catastrofização” (imaginar cenários negativos extremos), ou a “personalização” (assumir culpa ou intenção negativa onde ela não existe). Estas distorções intensificam as emoções negativas e reduzem a capacidade de se manter uma comunicação eficaz.

As relações conjugais saudáveis baseiam-se numa comunicação aberta, empática e assertiva. Durante as férias, o aumento do tempo em interação pode expor fragilidades nesta competência. A PCC valoriza a análise funcional do comportamento: os comportamentos verbais de crítica, sarcasmo ou evitamento são frequentemente respostas a emoções negativas mal reguladas. Seguindo autores como Ellis (1962), é fundamental identificar os pensamentos disfuncionais que precedem estas respostas, de modo a promover a reestruturação cognitiva e melhorar o clima relacional.

Passar mais tempo juntos nem sempre se traduz em “tempo de qualidade”. Segundo Hayes et al. (1999), a capacidade de estar presente no momento, sem julgamento (mindfulness), é essencial para a ligação emocional. As férias podem tornar-se um palco de “tempo de exposição”, onde os casais se veem confrontados com aspectos da relação que normalmente são evitados pela rotina. Neste contexto, podem emergir conflitos latentes, exigindo dos parceiros competências de escuta ativa, validação emocional e negociação de interesses.

A intervenção baseada na PCC pode ajudar os casais a gerir as dificuldades relacionais que possam surgir durante as férias, ou preveni-las antecipadamente, através de diversas estratégias:
- Reestruturação cognitiva: identificar e modificar os pensamentos disfuncionais acerca do parceiro, das férias e do papel de cada um na relação.
- Treino de competências de comunicação: ensinar e treinar técnicas de comunicação assertiva, escuta ativa e expressão emocional adaptativa.
- Planeamento conjunto: envolver ambos os parceiros na definição de expectativas, objetivos e limites para as férias, prevenindo conflitos antecipadamente.
- Gestão de tempo individual: assegurar momentos de autonomia e espaço pessoal como forma de preservar o bem-estar emocional individual, se isto for uma opção.
- Exposição planeada e resolução de problemas: utilizar situações de convívio como oportunidades para resolver problemas pendentes, com acompanhamento terapêutico quando e se necessário.

Em jeito de conclusão podemos dizer que as dificuldades conjugais que emergem durante as férias de verão em família, podem ser compreendidas à luz da psicologia cognitivo-comportamental como respostas a alterações contextuais, cognitivas e emocionais. Longe de indicarem necessariamente uma crise profunda, estes desafios podem constituir oportunidades valiosas para o desenvolvimento de novas competências relacionais. A intervenção precoce e fundamentada na PCC pode promover um ambiente mais harmonioso, tanto nas férias como no quotidiano.
Referências bibliográficas
- Beck, A. T. (1976). Cognitive Therapy and the Emotional Disorders. New York: International Universities Press.
- Ellis, A. (1962). Reason and Emotion in Psychotherapy. New York: Lyle Stuart.
- Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (1999). Acceptance and Commitment Therapy: An Experiential Approach to Behavior Change. New York: Guilford Press.
- Dattilio, F. M. (2009). Cognitive-Behavioral Therapy with Couples and Families: A Comprehensive Guide for Clinicians. New York: Guilford Press.
- Epstein, N. B., Baucom, D. H. (2002). Enhanced Cognitive-Behavioral Therapy for Couples: A Contextual Approach. Washington, DC: American Psychological Association.