O verão, frequentemente associado à leveza, ao descanso e ao bem-estar, é para muitos um período aguardado com entusiasmo. Contudo, esta estação, marcada por alterações de rotinas, exposição prolongada ao calor e maior pressão social para se “ser feliz”, pode ter efeitos contraditórios sobre diversas psicopatologias. De facto, longe de ser um antídoto universal para o sofrimento psíquico, o verão e as férias podem intensificar ou até desencadear certas condições clínicas, revelando uma relação mais complexa entre o ambiente sazonal e a saúde mental.
Comecemos por considerar as perturbações do humor. Existe um fenómeno bem documentado que é a perturbação afectiva sazonal, geralmente associada ao inverno, mas que, em menor grau, pode também manifestar-se no verão. A chamada “depressão de verão” caracteriza-se por insónia, irritabilidade, ansiedade e perda de apetite, contrastando com a forma invernal, mais marcada por letargia e hiperfagia (Rohan et al., 2009). As causas são ainda pouco compreendidas, mas sabe-se que fatores como a alteração dos ritmos circadianos, a exposição intensa à luz solar e o calor extremo podem contribuir para um desequilíbrio neurobiológico.

Nas perturbações de ansiedade, o verão pode também ter um impacto ambivalente. Por um lado, o afastamento de contextos stressantes (como o trabalho ou a escola) pode proporcionar algum alívio. Por outro, a quebra das rotinas estruturadas, a pressão para participar em atividades sociais ou o confronto com o corpo (em praias ou piscinas) pode acentuar sintomas ansiosos, especialmente em indivíduos com perturbação de ansiedade social ou perturbação obsessivo-compulsiva. Além disso, as viagens e a exposição a ambientes desconhecidos podem atuar como desencadeadores de crises de pânico em indivíduos mais vulneráveis.

É ainda relevante abordar a relação entre o verão e as tperturbações do comportamento alimentar, nomeadamente a anorexia nervosa e a bulimia. Nesta época do ano, os corpos ficam mais expostos, e a omnipresença de ideais de magreza, promovidos pelas redes sociais e pelos meios de comunicação, tende a agravar a insatisfação corporal. Jovens – sobretudo mulheres, com propensão para perturbações deste tipo, podem ver-se mais pressionadas a controlar obsessivamente o peso, adoptando comportamentos restritivos, purgativos ou compensatórios. Estudos indicam que o verão representa um período de risco aumentado para recaídas em indivíduos em recuperação (Slade, 2015).

Importa ainda considerar o papel das expectativas culturais em torno do verão e das férias. Vivemos numa sociedade que associa esta época à felicidade, ao lazer e ao convívio. As redes sociais amplificam essa narrativa, com imagens constantes de viagens, corpos perfeitos e alegria. Para quem vive com depressão, luto, solidão ou qualquer outra forma de sofrimento psicológico, essa dissonância entre o que se sente internamente e o que se observa externamente pode acentuar sentimentos de alienação, fracasso e inadequação. Neste sentido, o verão pode funcionar como um espelho cruel da dor psíquica.

No caso das perturbações psicóticas, como a esquizofrenia, alguns estudos sugerem um ligeiro aumento na frequência de episódios agudos durante os meses mais quentes. O calor extremo pode exacerbar a desregulação fisiológica já presente nestes quadros clínicos, e a alteração de rotinas (nomeadamente a adesão irregular à medicação durante as férias) pode precipitar descompensações. Além disso, a desidratação e o risco de interacção entre psicofármacos e temperaturas elevadas (por exemplo, os antipsicóticos e o risco de hipertermia) representam factores de risco clínico que devem ser monitorizados cuidadosamente (Meyer & Stahl, 2011).

Apesar deste panorama, não se deve cair no alarmismo. Para muitas pessoas, o verão constitui efectivamente um período de melhoria do bem-estar psicológico. A exposição solar, dentro de limites seguros, promove a síntese de vitamina D e a libertação de serotonina, substâncias associadas à regulação do humor. O contacto com a natureza, o tempo de lazer e a oportunidade de reconstrução de laços afectivos podem ser factores protectores importantes. No entanto, estes benefícios não são universais nem garantidos.

A resposta psicológica ao verão é profundamente individual e mediada por múltiplos factores: a estrutura da personalidade, a história clínica, os recursos de suporte e as circunstâncias socioculturais. Por isso, os profissionais de saúde mental devem estar atentos a estas variáveis sazonais e integrar esta dimensão na sua prática clínica. A psicoeducação sobre os riscos associados à quebra de rotinas, a monitorização dos sinais de alerta e a promoção de estratégias adaptativas para lidar com a pressão social e a exposição corporal, podem ser ferramentas valiosas nesta época.

Em síntese, o verão e as férias, longe de serem apenas um bálsamo para a saúde mental, podem representar um período de vulnerabilidade acrescida para diversas psicopatologias. Reconhecer esta complexidade é essencial para promover uma abordagem clínica mais sensível, personalizada e realista, respeitando os diferentes modos de viver e de sofrer, mesmo nas estações mais luminosas do ano.
Referências bibliográficas:
- Rohan, K. J., Roecklein, K. A., Tierney Lindsey, K., Johnson, L. G., & Lippy, R. D. (2009). Cognitive-behavioral therapy, light therapy, and their combination in treating seasonal affective disorder. Journal of Affective Disorders, 114(1-3), 164–172.
- Slade, T. (2015). Seasonal effects on eating disorder symptomatology: A review of the literature. Clinical Psychologist, 19(1), 12–19.
- Meyer, J. M., & Stahl, S. M. (2011). The metabolic syndrome and schizophrenia. Acta Psychiatrica Scandinavica, 119(1), 4–14.