Os heróis de Banda Desenhada não envelhecem, permanecem iguais a si mesmos ao longo de um interminável número de aventuras (Tinoco, R., 2013). Embora algumas colecções de Banda Desenhada sejam “infindáveis” e já muito antigas é facto que tanto o herói protagonista como os seus personagens não acusam a passagem do tempo.
A força fantástica dos super heróis, os seus poderes sobrenaturais e a sua excelente forma física mantêm-se inalteráveis ao longo de décadas. Ao atingir uma idade um pouco mais avançada, o indivíduo adquire também uma noção de finitude que pode ser de certa forma “mascarada” com recurso aos livros da sua infância/imaginário infantil e à confrontação com heróis que continuam jovens e robustos e que apesar das inúmeras aventuras, lutas e peripécias se mantêm com as suas capacidades e habilidades intactas.
A banda desenhada e os aspectos emocionais, motivacionais, cognitivos e comportamentais do apreciador e do artista
Emoção
Será que podemos dizer que reler Banda Desenhada dos seus heróis de infância, reflecte uma necessidade do indivíduo voltar atrás no tempo, recuperar alguma ingenuidade infantil de forma a reencontrar em si a sensação de que o tempo não passou? Um dos aspectos que interage directamente com a apreciação de uma obra de Banda Desenhada é sem dúvida a emoção, quer seja ela causada pelo texto, pelos desenhos, cor, movimento, ou apenas pelo facto de nos poder remeter a esse mundo já vivido e sem retorno real. A emoção é uma experiência subjectiva, associada ao temperamento, personalidade e motivação. Não existe uma taxionomia ou teoria para as emoções que seja geral ou universalmente aceite. Têm sido propostas diversas teorias, desde as emoções “intuitivas” (amígdala), cognitivas (córtex pré-frontal), básicas, complexas, etc. Existem ainda emoções súbitas e de curta duração como é o caso do susto ou da surpresa e as de longa duração como é o caso do amor. Pode fazer-se uma distinção clara ente emoção e o que resulta dela, ou seja, entre a emoção e a sua expressão que se revela principalmente através dos comportamentos, como é o caso por exemplo do riso ou da fuga como resultado directo e observável de um determinado estado emocional.
A Teoria de James-Lange propõe que experimentamos a emoção em resposta a alterações fisiológicas do nosso organismo. Sentimo-nos tristes porque choramos. O sistema sensorial envia ao cérebro informação acerca da nossa situação e como resultado disso o cérebro responde enviando sinais ao organismo de modo a alterar o tónus muscular, a frequência cardíaca, etc.
Contestando esta teoria, Cannon-Bard defende que as emoções podem ser experimentadas mesmo quando não sentimos mudanças fisiológicas (Bear, M.F., Connors, B. W. & Paradiso, M. A., 2001). As reacções do sistema simpático a estímulos desencadeadores são quase sempre as mesmas ao passo que as nossas experiências emocionais variam amplamente. Sendo a emoção um estado afectivo intenso mas limitado no tempo, é sentida no momento em que folheamos um livro, em que nos confrontamos com os desenhos, o texto e toda a expressividade contida na obra. Este estado emocional poderá influenciar o humor, este sim um estado mais prolongado no tempo, que representa o grau de disposição e bem-estar psicológico e emocional do indivíduo. O leitor, perante uma obra de Banda Desenhada, experimenta emoções e como consequência disso pode ver alterado o seu estado de humor geralmente de uma forma positiva.
Motivação
Perante um leque vastíssimo de estilos literários, a escolha por um deles depende em grande parte da motivação. A motivação corresponde a um impulso interno, uma condição do organismo que influencia a orientação para um objectivo – a acção. Todo o indivíduo tem a capacidade de se motivar ou desmotivar.
Ao deixar recair a escolha para um estilo que conjuga escrita e desenho, assim como outros efeitos visuais, o apreciador revela sentir-se mais motivado para o desafio que poderá envolver esse tipo de leitura. A necessidade de complementar a escrita com imagens poderá ser um meio facilitador tanto para o apreciador como para o criador no sentido em que ao primeiro, facilita a aquisição da mensagem intencionalmente veiculada pelo criador, e a este, facilita o seu modo de expressão. Motivado para desenhar, o artista terá certamente mais sucesso na transmissão da sua ideia recorrendo a esta forma de representação do seu imaginário que irá complementar com escrita em balões.
Leitura
O processamento da leitura é formado por um conjunto de processos cerebrais que são organizados estrategicamente pelo indivíduo para facilitar a compreensão das informações contidas no texto. Partindo deste princípio, a tarefa de ler, apresenta-se como um trabalho que assenta na planificação a diferentes níveis. A sistematização da leitura pode ocorrer de maneira diferente de leitor par a leitor e neste aspecto, os níveis de processamento serão diferentes entre leitores mais maduros e leitores iniciantes (Pocinho, 2007).
Na leitura, há um processo simples de descodificação mas ler também é construir significados, estabelecer relações entre conhecimentos, interagir, predizer, relacionar-se intimamente com o texto, é uma relação entre o leitor e o autor. O leitor é quem constrói o significado numa rede de relações do que lê com seus conhecimentos prévios. Nesse aspecto, a figura do leitor não é a tradução ou réplica do significado que o autor quis dar à obra, mas sim uma construção que envolve o texto e os seus conhecimentos anteriores.
Sendo a leitura considerada como “pensamento visualmente guiado”, e se baseie na identificação e extracção de significado das palavras individuais, o principal objectivo da leitura não é transformar texto escrito em palavras mas sim compreender a mensagem veiculada por estas. Deste modo, o artista poderá imprimir à sua escrita o seu carácter pessoal de maneira a que o conteúdo da sua imaginação possa ser exposto de forma clara e interpretado sem margem para dúvidas por parte do leitor, ou, pelo contrário, escrever de uma forma ambígua de modo que o leitor possa interpretar a obra da forma que entender e para a qual a sua personalidade o orientar.
Memória
Voltando um pouco atrás, e ao referir-me ao facto de que o indivíduo ao reler uma obra que o faz recordar do passado, remete-nos para outro dos aspectos cognitivos envolvidos tanto no processo de apreciação como de criação da arte, que é a memória.
A memória é um processo que envolve três fases distintas: codificação, armazenamento e recuperação. O leitor irá recordar consciente e intencionalmente a informação armazenada na memória explícita ou declarativa, que é uma memória de longo prazo. Já o criador, utiliza a memória de uma forma diferente, ou seja, irá recorrer à memória implícita e não declarativa que é inconsciente e automática, de cada vez que pega no lápis para fazer os seus desenhos, o que corresponde a uma habilidade cognitiva, e, durante os seus momentos de criação artística, estará envolvida a memória de trabalho cuja capacidade de armazenamento é limitada baseando-se em conteúdos obtidos através da informação sensorial. No caso da Banda Desenhada, o armazenamento em memória é essencialmente icónico, uma vez que os mecanismos responsáveis pela percepção visual operam na figura e não directamente no ambiente visual.
Linguagem
A linguagem é outro aspecto a ter em conta. Esta pode referir-se tanto à capacidade especificamente humana para aquisição e utilização de sistemas complexos de comunicação, como à uma instância específica de um sistema de comunicação complexo. Muitas vezes expressões criadas pelo autor e características dos super-heróis, vão ser adoptadas e reproduzidas pelo leitor de Banda Desenhada. Da mesma forma, a expressão escrita pode influenciar o leitor à sua reprodução principalmente em textos curtos em que pode ele mesmo recorrer à utilização de balões para fazer passar mensagens, por exemplo de carga emocional.
Atenção
Também a atenção está fortemente implicada nos processos de apreciação e criação da literatura em Banda Desenhada, mais do que qualquer outro tipo de literatura na medida em que esta se encontra dividida entre a escrita e os desenhos e também na informação que está implícita sem estar declaradamente presente na obra.
A atenção é uma propriedade do sistema cognitivo que permite a selectividade do processamento de informação e que implica negligenciar uma parte desta para permitir privilegiar e lidar de forma eficaz com aquela que é realmente relevante. Na sua essência ela é constituída pela focalização, concentração e consciência. A atenção implica processos sensoriais, de linguagem, de aprendizagem, e de memória, e, orienta-nos para a fonte (obra), tem uma função de alerta para que mantenhamos um estado de sensibilidade aos estímulos ao mesmo tempo que executamos e monitorizamos a tarefa, leitura no caso do apreciador e escrita e desenho no caso do artista.
Processos interpessoais
Relativamente aos processos interpessoais, também o grupo de pares, durante a adolescência ou outras pessoas que fazem parte da sua rede social, podem ter uma influência significativa no indivíduo na forma como ele vai apreciar determinada obra. Já no caso do criador, terá mais a ver com vocação ou talento embora a influência social possa fomentar o seu desenvolvimento ou pelo contrário, sentir-se inibido por pressões sociais. Estas mesmas pressões ou influências sociais poderão orientar de uma forma positiva ou negativa o modo como o indivíduo se vai relacionar com determinada obra, autor, tema ou colecção. Por vezes, a título de exemplo, um pai que guardou os seus livros de Banda Desenhada favoritos, poderá influenciar o filho a lê-los ao mesmo que transpõe para ele as emoções sentidas quando era mais jovem.
O facto de determinada obra, tema ou autor ser bastante apreciado pelos demais poderá constituir por si só uma motivação para a sua apreciação por parte do indivíduo. Se entendermos motivação, como já referi anteriormente, como uma condição do organismo que leva à acção, ao comportamento, poderemos também afirmar que o facto de se poder aprender, divertir ou distrair, são motivações pertinentes para a apreciação de um livro ou revista de Banda Desenhada. Por vezes até mesmo em contexto escolar ou académico, alguns temas complexos poderão ser mais facilmente compreendidos através de uma representação em banda desenhada pois irão captar a atenção de uma forma mais diversificada do que se forem explicados em texto corrido. O recurso ao desenho, à cor e por vezes até a uma certa comicidade poderá motivar os alunos à leitura de uma forma mais leve e descontraída.