Tiveram lugar pela primeira vez no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, as Jornadas dos Comportamentos Aditivos, que contaram com a participação, como oradores, de profissionais da área da saúde mental, nomeadamente médicos, psiquiatras, psicólogos e enfermeiros, entre outros. O evento foi da máxima importância uma vez que abordou temas muito actuais – álcool, tabaco e internet – focando-se nas várias dimensões de uma problemática com um indiscutível impacto negativo, no indivíduo, nas famílias e na sociedade, que é a adição.
Deixo aqui um resumo dos temas apresentados e debatidos, que embora incompleto devido à quantidade das comunicações e especificidades das mesmas, tem como objectivo despertar a consciência dos meus leitores, no sentido da reflexão e porventura da procura de mais informação sobre o tema. Para isso deixo no final algumas referências, de publicações que serviram de base para a informação abaixo descrita e/ou complementar à informação apresentada.
O consumo excessivo de álcool e as suas consequências (e. g. acidentes, doenças, comportamentos desajustados), são actualmente responsáveis por cerca de 10% de todas as mortes na Europa. Apesar das campanhas de prevenção e alerta para os perigos da condução de veículos sob o estado de embriaguez, levadas a cabo pelas forças de segurança, certo é que ainda continuam a morrer muitas pessoas na estrada, por via desses comportamentos de risco. As penas e medidas de segurança aplicadas aos infractores, visam não só a protecção do direito à vida e à integridade dos indivíduos da comunidade , como a segurança e a protecção do património mas também a reintegração do indivíduo na sociedade.
Há evidência científica de que o consumo de bebidas alcoólicas tem uma associação comprovada com o aparecimento de doenças como o cancro (e. g. cabeça e pescoço, esófago, bexiga, fígado e mama). Não podemos ainda esquecer, a relação entre o alcoolismo e a violência doméstica, os conflitos interpessoais, a negligencia parental e outros problemas sociais, como por exemplo, o desemprego. Na sua escalada de perigosidade, o consumo moderado de bebidas alcoólicas, em sujeitos de maior vulnerabilidade à adição, pode ascender para consumo de risco, consumo nocivo, consumo excessivo ocasional ou dependência. A dependência alcoólica leva a perturbações a nível físico, neurológico e psiquiátrico, devendo o indivíduo ser alvo de intervenção multidisciplinar, no caso, ao acompanhamento por médicos, assistentes sociais, enfermeiros e psicólogos, incluindo sempre que possível a família, que como rede de apoio, tem um papel de extrema importância no processo de ajuda e na reabilitação do doente.
O álcool é a substância psicoactiva com a maior aceitação e mais protegida por parte da sociedade em geral, e prova disso, é a publicidade às várias marcas e tipos de bebidas alcoólicas, disponível em todos os meios de comunicação social, assim como a facilidade com que são adquiridas. No entanto, a representação social do doente alcoólico, é estereotipada e muitas vezes, é mais alvo de crítica e abandono do que de compreensão e ajuda. É preciso educar a sociedade sobre a doença e as suas bases etiológicas, ou seja, as suas causas. Actualmente apenas cerca de 8% dos alcoólicos estão identificados e em tratamento. Em portugal, aos 18 anos, cerca de 90% dos jovens consome ou já consumiu álcool, sem diferenças de género, sendo que o consumo está a aumentar nos jovens do ensino secundário. A intervenção preventiva deverá ser feita de modo a abranger as camadas mais jovens da população e deverá ter o seu foco, tanto na redução da oferta como na redução da procura.
No que diz respeito ao tabaco, o quadro também não é animador. Apesar das inúmeras campanhas antitabágicas e da proibição de fumar em locais públicos, a verdade é que ainda se fuma muito em Portugal. Também o tabaco está associado ao desenvolvimento de doenças, sendo o principal factor de risco para as doenças oncológicas. Das múltiplas substâncias presentes num cigarro, cerca de 70 são carcinogénicas. Curiosamente, a nicotina não é, mas é uma substância altamente aditiva, o que não faz dela necessariamente uma substância inocente. O efeito nocivo do cigarro tem um valor cumulativo, isto é, ainda que se deixe de fumar durante um longo período de tempo, a quantidade dos agentes cancerígenos permanecem no organismo. Muito associado ao consumo de tabaco está o cancro do pulmão, que em Portugal, não sendo o que tem maior incidência, é o que mais mata.
O consumo de tabaco tem uma relação bidireccional com a psicopatologia na medida em que, o fumador enquanto adito é considerado como portador de uma condição de saúde mental, ou seja, tem uma perturbação ao nível do comportamento e da regulação dos impulsos, uma vez que não consegue deixar de fumar. Por sua vez, muitos dos doentes com patologias mentais (e. g. esquizofrenia) tem tendência para serem maiores fumadores. Os programas de intervenção para quem quer deixar de fumar podem incluir o tratamento farmacológico (psiquiatria), o acompanhamento psicológico, sobretudo de orientação cognitivo-comportamental ou a combinação de ambos.
Em relação à adição ao jogo/internet, o panorama actual é igualmente preocupante. A perturbação de jogo online e offline é um problema de saúde pública, com custos pessoais elevados a vários níveis (relacionamentos interpessoais, trabalho, questões económicas) e pode estar associada a comorbilidades psiquiátricas (e. g. depressão, ansiedade ou perturbações de personalidade). Em 2017, Portugal tinha 0,6% de jogadores patológicos (2 vezes mais do que em 2012) e 1,2% de pessoas com mais de 16 anos de idade apresentavam já algum problema de jogo (SICAD, 2017). Este último número terá quadruplicado em relação aos dados de 2012. Parece evidente a necessidade de uma intervenção eficaz com os sujeitos que revelam este tipo de dificuldade. Deste modo, e uma vez que a terapia cognitivo-comportamental mostra bastante eficácia em várias áreas relacionadas com dependências comportamentais (Patrão & Sampaio, 2016), esta poderá ser uma forma de intervenção com resultados positivos, na ajuda a estes sujeitos. A entrevista motivacional será um importante contributo, tal como o contrato terapêutico, que poderá estabelecer-se com base num conjunto de directrizes negociáveis, e posteriormente, aceites e seguidas pelos pacientes, complementado por sessões psicoterapêuticas individuais.
Gostaria ainda de referir outro tema que foi abordado e que diz respeito aos comportamentos auto-lesivos não suicidas. Esta é também considerada uma adição comportamental, embora não associada ao consumo de substâncias. A auto-lesão não suicida é um ato auto-infligido (e. g. cortes, queimaduras ou arranhões) que causa dor ou dano superficial, mas que não pretende causar a morte. Esta perturbação inclui-se nos comportamentos aditivos uma vez que utiliza os mesmos circuitos neuronais das outras adições. A investigação aponta para que um em cada dez adolescentes apresente este tipo de comportamento pelo menos uma vez ao longo da vida, sendo consistentemente mais frequente no género feminino. Antecedentes de comportamentos auto-lesivos são um dos factores de risco mais preditivos para tentativas de suicídio futura, não devendo por isso ser desvalorizados e recomendando-se sempre uma intervenção psicológica e/ou psiquiátrica, consoante a severidade da situação avaliada.
Toda a informação veiculada nestas jornadas, permite uma reflexão acerca da influencia dos comportamentos aditivos na qualidade de vida dos indivíduos mas também nos custos que estas problemáticas representam em termos gerais. Os trabalhos divulgados, os temas debatidos e os resultados apresentados, orientam no sentido da urgência da alteração das políticas governamentais, de modo a colocar a saúde mental no lugar onde deveria estar, ou seja, a par com as outras áreas da saúde, e não numa posição de menor investimento, para a qual são disponibilizados menos recursos, com todo o risco e prejuízo que isso implica no bem-estar dos indivíduos, no funcionamento das famílias e no desenvolvimento da sociedade. E porque não envolver-se também a sociedade civil, de uma forma mais activa, nestas problemáticas que são transversais a faixas etárias, género e classes sócio económicas?
Sugestões:
- Do Telemóvel para o Mundo – Pais e Adolescentes no Tempo da Internet – Daniel Sampaio (livro)
- Jogadores Patológicos Online e Offline: Caracterização e Comparação – Pedro Hubert (tese)
- Comportamentos Auto-lesivos em Adolescentes: Uma revisão da literatura com foco na investigação Portuguesa – Sampaio & Guerreiro (Artigo) http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-90252013000200009
- Em que Aspecto a Pressão Social Afecta na Qualidade de Vida de Indivíduos com Problemas Alcoólicos – Sofia Martelo (artigo)
- Relatório do SICAD – Serviço de Intervenção no Comportamentos Aditivos e nas Dependências
http://www.sicad.pt/PT/Cidadao/SubstanciasPsicoativas/Paginas/default.aspx