Sou questionada algumas vezes sobre a partir de que idade, pode uma criança beneficiar de acompanhamento psicológico. Pais e cuidadores preocupam-se frequentemente com o bem-estar das suas crianças mas têm ainda alguma relutância em procurar o psicólogo. Será que há mesmo uma idade pré-definida para que se possa beneficiar do acompanhamento psicológico?
A razão mais frequente para se evitar procurar a ajuda do psicólogo prende-se com questões sociais, pois por vezes há ainda o mito de que o psicólogo serve para ajudar apenas “os malucos”, no entanto, essa tendência está a diminuir uma vez que as pessoas estão cada vez mais informadas. Porém, reconhecer que se precisa de ajuda pode significar para os pais alguma incapacidade no desempenho do seu nobre papel. Por outro lado, os pais por vezes tendem a pensar que os problemas se resolvem por si só. E não estão completamente enganados. Alguns comportamentos típicos das crianças e que deixam os pais com os “nervos em franja” têm a ver com a imaturidade do bebé e de facto, numa perspetiva desenvolvimentista, resolvem-se simplesmente com o passar do tempo. Porém, há outros comportamentos ou situações que podem ser indicadores de algum tipo de perturbação, que pode ser séria, ou que não sendo propriamente muito grave, pode ter um impacto muito negativo na vida criança e da família e que pode ser resolvida com uma intervenção breve e precoce.
Identificar uma dificuldade e reconhecer que não se está apto para lidar com ela de uma forma adequada, é uma atitude que revela um grande sentido de responsabilidade por parte dos pais, em relação ao bem-estar da criança. Procurar ajuda não é indicador de fraqueza ou incompetência dos pais, mas sim de sensatez e equilíbrio. Então, e afinal a partir de que idade pode ou deve a criança ir ao psicólogo? Antes dos 6 anos, a intervenção em psicologia pediátrica desenvolve-se essencialmente com os pais. É através deles que chegamos à criança, é com os pais que trabalhamos no sentido de avaliar a situação, perceber o grau de interferência do problema na vida da criança e da família e desenhar uma intervenção, com o foco na criança e em prol do seu bem-estar e do que é mais adaptativo para si, atendendo à etapa do desenvolvimento em que se encontra. Isto não significa que a criança fique de fora da “equação”. Ela é sempre avaliada e sempre que se justifique é chamada à consulta.
E por que razões devem os pais procurar apoio psicológico? O psicólogo pediátrico é um profissional especializado, que pode ser um elemento importante na promoção do desenvolvimento equilibrado da criança. Se esta revela comportamentos desajustados e desfavoráveis ao seu desenvolvimento e qualidade de vida, se esses comportamentos interferem de modo significativo no seu dia-a-dia e prejudicam as suas relações familiares, escolares ou sociais, e até mesmo o seu desempenho, então os pais devem pensar em procurar ajuda. Pensar há quanto tempo a situação persiste e o que já foi feito para a ultrapassar é o primeiro passo. Após essa análise, se a situação não reverteu mesmo depois de utilizadas todas as estratégias dos pais e cuidadores, então poderá estar na hora de ir a uma consulta de psicologia.
Entre os principais motivos que levam os pais a procurar o psicólogo, encontram-se as dificuldades relacionadas com os comportamentos difíceis ou desafiantes e as dificuldades emocionais. Em relação a estas últimas, destacam-se os problemas de ansiedade, sintomatologia depressiva, dificuldades nas relações sociais (isolamento ou agressividade), decréscimo do rendimento escolar, problemas de atenção e concentração, dificuldades de sono, enurese, entre outras. As questões relacionadas com perturbações alimentares (anorexia e bulimia) e as dificuldades de adaptação da criança a mudanças no contexto familiar (ex. separação dos pais, morte de um familiar…) fazem também parte das preocupações dos pais que os podem levar a procurar ajuda.
O psicólogo clínico pediátrico deve ter um modo de atuação baseado numa perspetiva desenvolvimentista, focado na criança e no problema atual. A intervenção tende a ser breve e com fases distintas, sendo os pais ou outros cuidadores os grandes aliados. O seu envolvimento é essencial para o sucesso da intervenção. À exceção de crianças muito pequenas, em que o psicólogo trabalha quase exclusivamente com os pais ou outros adultos que os substituam, o psicólogo estabelece com a criança mais crescida, uma relação que lhe oferece segurança, espaço e tempo, no sentido de promover a partilha e a validação emocional. Este profissional deve proporcionar à criança um ambiente de confiança e acolhimento. Numa fase inicial, o psicólogo recebe os pais para a elaboração da anamnese, ou seja, a história da criança em todas as suas dimensões. Outros familiares ou professores podem ser incluídos no processo de avaliação, pois múltiplos informadores podem fornecer múltiplos dados, todos eles importantes para o diagnóstico.
Após a fase de avaliação e identificado o problema, os seus possíveis determinantes e observadas as consequências, o psicólogo desenha um plano de intervenção que apresenta aos pais, clarificando todos os pontos como o número de sessões que prevê necessárias, a periodicidade das mesmas e os custos associados. Numa fase inicial as sessões podem ser semanais, passando depois para quinzenais até à fase do follow up, ou seja, um acompanhamento mais espaçado que pode ser de 3 em 3 meses ou de 6 em 6. Ao longo das sessões com a criança o psicólogo recorre frequentemente ao desenho e ao jogo, para compreender os seus sentimentos, pensamentos e preocupações, através de uma relação onde privilegia o brincar, mas com recurso a estratégias e técnicas específicas que visam promover a mudança e por conseguinte a melhoria dos sintomas ou do comportamento desadaptativo, que deu origem à intervenção. A psicoeducação parental e a utilização de “trabalhos de casa” com a sua regular monitorização, servem ainda para perceber de que modo a mensagem do psicólogo está a ser recebida e interpretada e também para que este possa ir avaliando a eficácia da intervenção.
Voltando à questão inicial, a partir de que idade devem os pais levar a criança ao psicólogo, ocorre-me dizer que em alguns casos o devem fazer no momento em que planeiam ter um bebé. Claro que isto pode parecer excessivo e até estranho mas garanto que alguns casais, poderiam beneficiar de apoio psicológico aquando da decisão de serem pais. Cada caso é um caso, no entanto, qualquer que seja o problema, quanto mais cedo os pais procurarem ajuda para lidarem com as dificuldades do seu filho, mais cedo se pode intervir e melhorar. À semelhança de muitas outras situações, também em psicologia a intervenção precoce é fundamental para que se possa corrigir o problema, antes que o mesmo se instale. A criança mais pequena tem uma capacidade de adaptação e uma plasticidade cerebral que facilitam a mudança. Na adolescência, pode já ser tarde, ou pelo menos, é certamente mais difícil intervir e maximizar os efeitos benéficos dessa intervenção. Os pais, por norma são fantásticos e fazem aquilo que julgam ser o melhor para os seus filhos. Muitas vezes, apenas não fazem melhor porque não sabem como fazer.
Procurar ajuda e orientação pode fazer a diferença e tornar a árdua tarefa de criar um filho, numa caminhada mais prazerosa e feliz!