
Segundo a lenda, Narciso, personagem da mitologia grega, apaixonou-se pela sua própria imagem ao vê-la refletida num lago. Consta que era um jovem de extrema beleza e que despertava grande interesse nas donzelas, no entanto, escolheu viver só, por achar que não havia quem fosse digno de si e do seu amor.
Uma Perturbação da Personalidade pode definir-se como um padrão estável de experiência interna e comportamental, que se afasta marcadamente do esperado para um sujeito de uma determinada cultura. É invasiva, inflexível e tem o seu início na adolescência ou no início da idade adulta, mantendo-se estável ao longo do tempo e causando mal-estar, dificuldades de adaptação ou até mesmo incapacidade. O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-V) define 10 perturbações de personalidade específicas: paranoide, esquizoide, antissocial, estado-limite ou borderline, histriónica, narcísica, evitante, dependente, obsessivo-compulsiva, alteração da personalidade devida a outra condição médica, perturbação da personalidade com outra especificação e não especificada.

A Perturbação Narcísica da Personalidade caracteriza-se por um padrão global de grandiosidade e necessidade de admiração, bem como na ausência de empatia com o outro. É um tipo de perturbação do foro mental que tem o seu início no começo da idade adulta e que está presente numa variedade de contextos. Os sujeitos com esta perturbação tendem a sobrevalorizar as suas capacidades e a exagerar os seus feitos, sendo com frequência apelidados de vaidosos e gabarolas. Consideram que os outros lhes atribuem o mesmo valor que eles próprios julgam ter e surpreendem-se quando não têm o reconhecimento que esperam e julgam merecer.

É frequente o indivíduo narcísico desvalorizar as capacidades dos outros, sempre que as compara com as suas próprias capacidades e fantasiar com o seu sucesso ilimitado, poder, brilho e beleza. Apresenta pensamentos ruminantes acerca de uma merecida admiração e tem tendência para comparar-se favoravelmente com pessoas influentes, privilegiadas e famosas. As pessoas com este tipo de personalidade consideram-se superiores, raras e especiais, esperando que os outros as reconheçam como tal. Sentem que só se devem associar a pessoas que consideram igualmente especiais ou de elevado estatuto, acreditando que as suas necessidades são também elas especiais e que não estão ao alcance das pessoas comuns.

O narcísico tem uma autoestima elevada, espelhada pelo valor idealizado que atribui às pessoas a quem se associa, e procura juntar-se com indivíduos de profissões diferenciadas e nível socioeconómico alto, desvalorizando o “comum dos mortais”. Esta autoestima elevada é no entanto frágil, uma vez que o indivíduo narcisista mantém uma preocupação excessiva com o quão bem se está a sair e quão favoravelmente é considerado pelos outros, uma vez que possui uma necessidade excessiva de admiração que nem sempre é expressa, defraudando as suas expectativas.. Adora e espera ser sempre recebido com “pompa e circunstância”, ficando muito espantado com a possível indiferença dos outros, procurando sucessivamente o elogio e agindo de forma sedutora.

Uma pessoa com personalidade narcísica espera dos outros alguma inveja e subserviência, ficando surpresa quando isso não acontece. Tem um elevado sentido de reverência a par com uma inabilidade para compreender as necessidades do outro, o que pode levar a situações de desrespeito e exploração, intencional ou não. A falta de empatia é uma característica muito vincada no narcisista. Estes indivíduos têm enorme dificuldade em identificar e compreender os sentimentos das outras pessoas, tendendo a desvaloriza-las, colocando sempre os seus sentimentos em primeiro lugar. Discutem os seus problemas com exagerado pormenor e por vezes de forma desadequada, desprezando e impacientando-se quando são os outros a falar dos seus assuntos e das suas preocupações.

A Perturbação Narcísica da Personalidade tem uma prevalência estimada de 0 a 6,2% na população e 50% a 75% dos casos diagnosticados são homens. A característica mais relevante na discriminação desta perturbação em relação à perturbação histriónica (sedutor), antissocial (insensível) ou borderline (dependente) é a grandiosidade. A relativa estabilidade da autoimagem, bem como a ausência de auto destrutividade, impulsividade e preocupação de abandono, distinguem a perturbação narcísica da perturbação borderline de personalidade. O excessivo orgulho nos seus feitos, o desdém pela sensibilidade alheia e a relativa ausência de manifestação dos sentimentos, ajudam a distinguir esta perturbação da perturbação histriónica. Os sujeitos com perturbação narcísica e perturbação antissocial tendem a ser rígidos, superficiais, exploradores e sem empatia, no entanto, os narcísicos não incluem habitualmente características de agressividade, impulsividade ou dolo.

O narcisismo é uma das construções de personalidade mais antigas conhecidas. Porém, continua a ser fonte de discussão científica, nomeadamente nas áreas da teoria clínica, do diagnóstico psiquiátrico e da psicologia. É uma síndrome desafiante, complexa de entender, heterogénea na sua apresentação e difícil de tratar, prejudicando também o tratamento de outras patologias do foro mental que possam estar presentes, como por exemplo a perturbação depressiva, a ansiedade ou o abuso de substâncias. É uma perturbação que pode incluir manifestações de grandiosidade alternadas com vulnerabilidade, conforme o contexto ou o momento/situação do sujeito, o que por si só dificulta o tratamento. Das várias abordagens psicoterapêuticas disponíveis, as de maior sucesso parecem ser as do grupo das terapias cognitivo-comportamental.
Fonte: Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais – Quinta Edição (DSM-V). American Psychiatric Association.