
Algumas pessoas, tipicamente mulheres, permanecem numa relação conjugal violenta em que são vítimas, sem que muitas vezes tenham a consciência dessa sua condição. Deste modo, acabam por não recorrer aos organismos destinados a intervir e a fazer cessar os abusos, mantendo o sofrimento e correndo riscos relacionados com a sua integridade física e moral ou até com a própria vida.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a violência conjugal afeta entre 15% a 70% da população mundial, na grande maioria mulheres, tendo os homens como agressores. Em Portugal, muitas mulheres são também elas vitimas deste tipo de violência, e, segundo dados da Associação Portuguesa de Apoio á Vítima (APAV), cerca de 76% dos crimes referenciados em 2021, são de violência doméstica, nos quais a violência conjugal se insere, tendo sido registados perto de 20 mil casos, entre eles 30 homicídios consumados. Segundo o relatório anual desta associação, no ano passado houve uma média diária de 37 vítimas, das quais 25 foram mulheres. O perfil da mulher vítima de violência conjugal corresponde a uma média de idade de 40 anos, é transversal a todos os níveis de ensino e os abusos são perpetrados na sua maioria pelo cônjuge ou companheiro.

A OMS define o conceito de violência conjugal como os comportamentos numa relação íntima que causem dano físico, sexual ou psicológico, incluindo a agressão física, coação sexual, abuso psicológico e comportamentos controladores. Este tipo de violência pode ocorrer entre casais heterossexuais ou homossexuais mas não exige necessariamente intimidade sexual. Os atos violentos podem variar na frequência e gravidade, ocorrendo de forma continuada, oscilando entre agressões ligeiras que podem ter menor impacto na vítima, até à agressão física crónica e severa. Os comportamentos abusivos em contexto de violência conjugal demonstram um padrão de abuso usado por um indivíduo para obter e manter o poder, o controlo e a autoridade sobre o outro.

Existem vários tipos de violência conjugal, nomeadamente a violência física, sexual, psicológica ou emocional, violência social, financeira e a perseguição. A violência física refere-se ao uso intencional da força física, contra outra pessoa, com o potencial para causar dano, ferimento, incapacidade ou morte (ex. empurrar, arranhar, esbofetear, picar, asfixiar, etc.). A violência sexual traduz-se no uso da força física para compelir uma pessoa num ato sexual contra sua vontade, seja ou não o ato consumado (ex. pressionar ou forçar a/o companheira/o para ter relações sexuais quando esta/e não quer, pressionar, forçar ou tentar que a/o companheira/o mantenha relações sexuais desprotegidas ou força-la/o a ter relações sexuais com outras pessoas).

A violência psicológica ou emocional constitui um trauma causado à vítima por atos, ameaças ou comportamentos coercivos. Inclui qualquer comportamento da/o companheira/o que vise fazer o outro sentir medo ou sentir-se desvalorizado, humilhado e inútil. Habitualmente manifesta-se por comportamentos como ameaçar os filhos, magoar os animais de estimação, ridicularizar a vítima na presença de amigos, familiares ou em público, entre outros. Na violência social o agressor procura isolar a vítima dos amigos e da família (ex. cortar o telefone ou controlar as chamadas e as contas telefónicas, trancar o outro em casa). Considera-se violência financeira quando o agressor impede a vítima de aceder ao dinheiro e a outros recursos básicos (ex. controlar o ordenado do outro, recusar dar dinheiro ao outro ou forçá-lo a justificar qualquer gasto, ameaçar retirar o apoio financeiro como forma de controlo, etc.). Por fim, a perseguição pressupõe qualquer comportamento que tenha como objetivo intimidar ou aterrorizar o outro. (ex. Seguir a/o companheira/o para o seu local de trabalho ou quando esta/e sai sozinha/o, controlar constantemente os movimentos do outro, etc.). A violência conjugal pode consistir em “somente” um destes tipos de atos, no entanto o mais comum é apresentar a combinação de vários.

A violência psicológica ou emocional parece ser o tipo de agressão mais frequente no contexto da conjugalidade, com um impacto psicológico igual ou superior ao provocado pelas agressões físicas As mulheres expostas “apenas” à violência psicológica revelam uma maior probabilidade de permanência na relação conjugal violenta, em comparação com mulheres violentadas simultaneamente física e psicologicamente. Trata-se de uma violência “invisível” e insidiosa que pode causar perturbações psicológicas, agudizar doenças físicas ou conduzir ao suicídio. Parece haver evidência de que, na maioria dos casos, a violência física só surge quando a mulher resiste à violência psicológica. No entanto, muitas vezes o agressor nunca chega a avançar para a agressão física, continuando a exercer violência psicológica reiteradamente.

As vítimas de violência conjugal tendem a recordar com precisão o primeiro episódio de agressão física, mas não o início da agressão psicológica, já que o seu início é mais subtil e impercetível, não deixa marcas visíveis, tornando-se mais difícil situar no tempo. Contudo, a maioria de vítimas parece considerar a ridicularização e a humilhação mais desagradáveis e com efeitos mais perniciosos do que a violência física exercida sobre elas.

Como podemos constatar, são diferentes as formas que a violência conjugal pode assumir e todas elas são indubitavelmente potenciadoras de perturbação mental e de injúria física, podendo em casos mais extremos custar a vida da vítima. A família, os amigos, os vizinhos, a sociedade, podem ter um papel de grande importância na proteção destas pessoas, que por vezes não têm voz. O silêncio facilita a existência e a persistência da violência. O papel do amigo ou do familiar pode ser o início do fim da violência e do sofrimento. Denunciar a situação às autoridades policiais/Ministério Público ou ajudar a vítima a contactar a APAV (116 006) para iniciar um processo de apoio, pode ser o contributo de cada um de nós, para salvar vidas!

Fontes:
Matos, M. (2002). Violência conjugal. In R. Abrunhosa Gonçalves, & C. Machado, Violência e vítimas de crimes (Vols. 1 – Adultos, pp. 81-130). Coimbra: Quarteto.
Blasco-Ros, C., Sánchez-Lorente, S., & Martinez, M. (2010). Recovery from depressive symptoms, state anxiety and post-traumatic stress disorder in women exposed to physical and psychological, but not to psychological intimate partner but not to psychological intimate partner violence alone: A longitudinal study. BMC Psychiatry, 10:98. Obtido de http://www.biomedcentral.com/1471-244X/10/98
https://apav.pt/apav_v3/index.php/pt/
https://www.apav.pt/apav_v3/images/press/Relatorio_Anual_2021.pdf