Há pouco tempo atrás ouvi alguém que dizia “o meu filho vai ao psicólogo só para fazer desenhos”. O tom de crítica era evidente, e, de facto, se a criança é acompanhada por um psicólogo apenas com o intuito de desenvolver as suas competências artísticas, pode realmente ser algo redutor… mas o desenho não é só arte.
O desenho, em contexto de avaliação ou de intervenção psicológica, assume um valor e uma importância que transcendem a mera revelação dos dotes artísticos da criança. O desenho é para o psicólogo um instrumento muito útil na sua prática clínica, quer se trate de avaliação, seleção ou intervenção psicológica. Através do desenho, o psicólogo consegue obter informação acerca do funcionamento da criança, do seu modo de estar perante os outros, do modo como projeta através dos elementos que desenha, o seu temperamento, as suas áreas de conflito, etc. Ao mesmo tempo, com recurso ao desenho, consegue-se facilitar o estabelecimento e a manutenção da relação entre a criança e o psicólogo. A criança por vezes consegue mais facilmente desenhar do que verbalizar. O pormenor ou a falta dele, o modo como adere à tarefa e se empenha nela, o tipo de traço que apresenta, a descrição dos detalhes, entre outros, representados através do desenho, podem fornecer informação relevante acerca da problemática em foco.
O Desenho da Figura Humana, por exemplo, para além de projetar a imagem corporal, compõe habitualmente uma gama de projeções relacionadas ao autoconceito, autoestima, a imagem ideal do eu e as atitudes para com os outros. O desenho pode refletir não apenas o que é consciente mas também pode expressar conteúdos inconscientes. O Desenho da Figura Humana, a par com o Desenho da Família, são dois dos recursos mais utilizados por psicólogos na avaliação do estado emocional da criança, por ser uma medida simples, bem aceite e muito rica em informação relevante para a avaliação do caso.
Aquando da avaliação psicológica, a tarefa de desenho é proposta à criança, que como já foi referido, habitualmente aceita de bom grado. De seguida é feito um inquérito estruturado, de acordo com o tipo de prova, onde é extraída toda a informação/descrição possível acerca das figuras representadas, num contexto por vezes de grande subjetividade e fantasia, que pode permitir chegar a factos, medos, preocupações ou desejos, por vezes mais difíceis de expressar de forma direta e objetiva. Desenhar permite a expressão de emoções e pensamentos, por vezes muito difíceis de manifestar verbalmente de forma espontânea. Ao mesmo tempo, enquanto desenha, a criança revela toda uma linguagem corporal, também ela informativa. O modo como executa, a postura, as dúvidas sobre a sua habilidade, a segurança que apresenta, a firmeza do traço, a segurança que revela, o uso da borracha, a existência de sombreado, a simetria, as omissões, entre outros detalhes, são registados pelo psicólogo e constituem um forte elemento informativo do funcionamento da criança.
O desenho enquanto prova de avaliação psicológica avalia a maturidade intelectual, no que diz respeito à capacidade de perceção, abstração e generalização. É uma prova não-verbal que revela a perceção consciente e inconsciente em relação a si mesmo e às pessoas significativas do seu ambiente, a sua forma de agir e de se posicionar frente ao mundo. É muito importante que os aspetos a serem analisados no desenho não sejam vistos isoladamente mas sim em conjunto. Não devem seguir uma receita do tipo “chapa 5” mas pelo contrário, a análise do desenho deve ser feita tendo em consideração a história da criança e principalmente o que ela diz acerca do mesmo.
A interpretação do desenho leva o psicólogo a hipóteses e não a certezas, pelo que não se deve basear em dados isolados ou ao seu próprio imaginário. Este deverá ter o cuidado de não projetar no desenho os seus próprios conteúdos. O desenho deve ser analisado dentro de um contexto cultural e refere-se a um dado momento no tempo, sendo completamente recomendado que se evitem generalizações, pois cada produção é única. Na análise do desenho devem ser levados em consideração aspetos que se prendem com a fase do desenvolvimento cognitivo, psicomotor e sócio afetivo da criança, bem como a sua perceção visual, oralidade, expressão, criatividade, traços de subjetividade e possível presença de psicopatologia.
E voltando ao início, de facto a intervenção psicológica não deve ser baseada apenas no desenho. No entanto, pelas razões apresentadas, é fácil de entender que o desenho pode ser um elemento complementar muito eficaz no processo de avaliação, mas também uma forma de estabelecimento e manutenção da relação com o psicólogo, rica em possibilidades e informação