Entender as birras

A birra é a expressão de uma variedade de sentimentos, pelo que, para a compreender, é necessário entender a sua relação com esses mesmos sentimentos, com o temperamento individual e com as características globais do ser humano, designadamente as etapas do desenvolvimento (Cordeiro, 2011).

A idade típica para o aparecimento das birras, com maior ou menor intensidade, é aos 18 meses, no entanto, pelas suas características individuais, algumas crianças manifestam-nas mais cedo. Por outro lado, por volta dos 4 anos, estas tendem a cessar. Fazer birras é transversal aos dois géneros, sendo que meninos e meninas, especialmente entre os dois e os três anos, tendem a expressar-se dessa forma. As birras coincidem com a fase do desenvolvimento em que a criança adquire mais autonomia e procura dominar o meio que a envolve. É habitualmente um período em que a criança não possui ainda mecanismos internos para lidar com a frustração e com as contrariedades, em que a sua linguagem verbal é ainda limitada e não tem ainda capacidade para entender o conceito de futuro de modo a conseguir adiar a satisfação das suas vontades. As crianças com mais de 3 anos podem recorrer às birras para chamar a atenção dos adultos e satisfazerem os seus desejos através da manipulação.

As birras, ocorrências emocionais normalmente breves mas intensas, caracterizam-se por choro, gritos, rigidez corporal, pontapés, espernear no chão e por vezes bater com a cabeça, podendo ainda incluir o fugir, atirar objetos, bater nos outros, morder, provocar o próprio vómito ou suster a respiração. Por serem normativas de uma determinada fase do desenvolvimento infantil, as birras, embora desagradáveis e frustrantes, não são motivo de alarme. Devem ser entendidas como uma forma de expressão emocional de um cérebro ainda imaturo. Com o passar do tempo, a criança adquire uma capacidade mais elaborada de compreensão e o comportamento de birra tende a diminuir.

Segundo alguns autores, as birras e os comportamentos de oposição têm um papel fundamental na distinção e afirmação do “Eu” em relação aos outros, na estimulação da autonomia e no desenvolvimento da identidade, caracterizando assim um desenvolvimento psicoafectivo normal (Rooney, Kouwenhoven & Hannan, 2008; Ramalho, 2006, Cordeiro, 2011). Porém, mesmo entendido como normativo, o comportamento de birra pode ser altamente disfuncional e perturbador, quer para a criança, quer para os adultos que a acompanham. Assim, segue-se um conjunto de estratégias importantes no controlo desse comportamento, quer pelo evitamento do mesmo, quer pela forma como se pode lidar com a criança, perante uma situação de birra.

Uma das estratégias mais eficazes no controlo de uma birra é a distração. A criança, emocionalmente desregulada, não conseguirá ouvir devidamente o adulto nem compreender as suas razões. Também ralhar ou reforçar a criança nesse momento, parece não ser adequado, pois ela não irá ter capacidade de atenção. Assim, uma vez iniciada uma birra, o melhor será atuar logo no início, mesmo antes da criança perder totalmente o controlo, desviando a sua atenção, levando-a para outro local, contendo-a em caso de ela bater ou se poder magoar, ignorando-a nalguns casos em que não corra perigo ou utilizando o efeito de surpresa, mudando repentinamente o seu foco de atenção. O adulto deverá ser capaz de se manter calmo e não responder emocionalmente, ainda que isso possa ser difícil e constitua um complicado exercício de autodomínio.

Durante uma birra, em que a criança extravasa as suas emoções de forma muito expressiva, pode tornar-se necessário conte-la, não propriamente com a intenção de expressar afetividade mas sim para evitar que ela se magoe. Esta contenção pode incluir ainda a retirada da criança do local onde se encontra, para outro local livre dos olhares alheios e dos comentários desajustados. É necessário acalmar a criança antes de qualquer tipo de explicação ou racionalização. Para isso, esperar algum tempo para que ela se autorregule, pode ser necessário. O facto de ter entrado em birra não faz com que a criança perca totalmente a razão. O adulto deverá ter a capacidade de avaliar a situação e dar razão à criança, naquilo que for efetivamente razoável.

Por outro lado, o adulto não deverá nunca ceder a uma birra. Isso estaria a reforçar um comportamento que não se quer ver repetido. Por mais que por vezes ceder possa ser tentador, a criança precisa de entender que o seu comportamento, a sua desorganização emocional e a sua falta de autocontrolo não são uma forma de resolver os problemas. No final de uma birra, esta deverá ser desvalorizada e a criança deverá ser integrada numa atividade. A criança “recupera” mais facilmente de uma situação de birra, quanto menos importância dermos ao comportamento. Uma boa estratégia para evitar as birras consiste em avisar a criança, com alguma antecedência, do que vai acontecer, principalmente se isso foge à rotina. A previsibilidade de algo ajuda a criança a preparar-se para tal. Outra estratégia é dar as ordens de modo carinhoso e assertivo, uma vez que, tal como os adultos, as crianças também não recebem bem os tons de voz agressivos e bruscos. Não nos devemos esquecer que as crianças são seres com sentimentos e que não devemos retirar importância aos seus pensamentos e às suas atividades.

Internalização e externalização

InternalizaçãoAs perturbações habitualmente designadas de internalização ou de externalização, constituem um tipo específico de problema emocional e comportamental, que se manifestam em qualquer idade e com características bastante diversificadas.

As perturbações de internalização manifestam-se quando o sujeito tenta manter um controlo desajustado do seu estado emocional interno, utilizando para tal somente estratégias internas. Estas perturbações derivam da convergência de factores biológicos (ex. défice nos neurotransmissores), familiares (ex. conflitos conjugais ou parentais), acontecimentos de vida (ex.. morte de um familiar significativo, perda de capacidades físicas), factores cognitivos (ex. crenças erróneas) e factores comportamentais (ex. isolamento social). Podemos identificar vários tipos de perturbações de internalização, nomeadamente a depressão, a ansiedade, a somatização e a fobia social. Continue a ler “Internalização e externalização”

Perturbação de Oposição e Desafio: O que fazer?

ComportamentosA Perturbação de Oposição e Desafio (POD) é uma patologia com elevada prevalência em idade pediátrica e que tem consequências potencialmente comprometedoras para a criança/adolescente e para a sociedade. Caracteriza-se basicamente por um padrão recorrente e persistente de comportamentos negativos, desafiantes, desobedientes, vingativos e hostis, que se revelam particularmente perante as figuras de autoridade.

Perante um diagnóstico de POD, muitos pais ou cuidadores, já exaustos de tentarem levar a bom porto a tarefa árdua que é educar aquela criança, vêm no psicólogo o último recurso para que se dê o milagre tão desejado de a corrigir e de tornar pacifica a sua convivência nos diversos contextos em que se inclui, especialmente na família. Cabe-me desde já alertar os mais expectantes de que não existem soluções fáceis nem radicais ou milagrosas para ajudar a lidar com as dificuldades apresentadas por estas crianças/adolescentes e seus pais, cuidadores e pessoas mais próximas. No entanto, há muito que se pode fazer no sentido de melhorar as relações familiares e as relações da criança com os pares. Na base dessa melhoria relacional está a modificação do comportamento da criança, em particular o controlo dos seus impulsos. Para isso, um dos fatores de maior importância para o sucesso nesta difícil tarefa é a precocidade com que o problema é identificado e a intervenção é iniciada. Quanto mais cedo a criança for avaliada e quanto mais cedo se der inicio à intervenção terapêutica maior será a probabilidade de se obterem bons resultados. Continue a ler “Perturbação de Oposição e Desafio: O que fazer?”

O meu filho comporta-se tão mal…

Oposição e desafioAs crianças que apresentam comportamentos muito difíceis, cujos pais desesperam e vivem na angústia de não conseguirem lidar tranquilamente com os seus filhos, podem ter melhorias significativas se procurarem ajuda psicológica. Não é necessário que a criança tenha dificuldades ao nível de uma perturbação neuropsiquiátrica, para que possa ou deva ser alvo de intervenção psicológica.

O processo de desenvolvimento infantil é caracterizado por marcos ou etapas, nas quais determinados comportamentos são esperados, a partir de uma certa idade. Na maioria das vezes, o que hoje é uma comportamento complicado de uma criança, amanhã já não o será. O tempo faz com que tudo possa mudar. Aqui, tempo refere-se à mudança da criança de uma etapa do desenvolvimento para outra, em que adquire novas competências, que a vão ajudar a entender, colaborar e autorregular-se. Deste modo, o psicólogo que trabalha em contexto pediátrico deve assumir sempre uma posição desenvolvimentista. Continue a ler “O meu filho comporta-se tão mal…”

Time in, time out e os comportamentos difíceis das crianças

ComportamentosUma das principais intervenções para a gestão de comportamentos disruptivos em crianças é fornecer aos pais estratégias de gestão de comportamentos. As técnicas de treino parental foram cuidadosamente documentadas e têm suporte empírico significativo na literatura como uma intervenção para problemas de comportamento em crianças.

 Existem alguns componentes-chave para a maioria dos programas de treino parental, incluindo a psicoeducação, o ensino de como fornecer atenção diferencial aos comportamentos das crianças, como fornecer instruções eficazes, como usar consequências como recompensas e em tempo apropriado e como integrar essas habilidades num abrangente plano de gestão comportamental. Os programas de treino parental são normalmente oferecidos em formatos de 8 a 12 sessões, muitas vezes promovendo competências de acordo com a fase de desenvolvimento da criança. Cada competência é ensinada através de informações didácticas, bem como modelagem e role playing com a mãe/pai e/ou a criança no consultório. Continue a ler “Time in, time out e os comportamentos difíceis das crianças”

Perturbação Desafiante de Oposição (PDO)

Oposição e desafio

A Perturbação Desafiante de Oposição (PDO) enquadra-se nas Perturbações Disruptivas do Controlo dos Impulsos e do Comportamento, e constitui um problema que tem vindo a crescer e a preocupar cada vez mais as famílias, os profissionais de saúde e do ensino, bem como a sociedade em geral.

Esta perturbação caracteriza-se por um padrão persistente de comportamentos conflituosos e desafiantes, humor irritável, atitudes rancorosas e vingativas. A desobediência e hostilidade manifestam-se particularmente perante as figuras de autoridade (e. g. pais, outros cuidadores e professores). Trata-se de uma perturbação psicológica muito comum na criança e no adolescente, que pode perturbar de forma significativa todos os contextos da sua vida.

Perturbações do comportamentoA perda frequente do controlo, os sentimentos de raiva e ressentimento, as discussões com adultos ou grupo de pares, o culpar os outros pelos seus próprios erros e o incumprimento de regras, são exemplos de atributos presentes nesta perturbação, que podem ter um impacto muito negativo nas diferentes áreas funcionais da criança ou do adolescente (e. g. familiar, educacional, social, …).  Por vezes estes comportamentos podem observar-se apenas em casa ou com membros da família, e neste caso a perturbação é considerada de menor gravidade do que se os comportamentos se apresentarem de forma global, ou seja, nos vários contextos de vida da criança. Continue a ler “Perturbação Desafiante de Oposição (PDO)”

Nunca mais serei a mãe dela…

Perturbação de Oposição e DesafioA Fernanda tem 49 anos, é tradutora, casada e tem uma filha de 11 anos com uma Perturbação de Oposição e Desafio, diagnosticada há cerca de 5 anos. A Fernanda revelou desde sempre grande dificuldade em lidar com os comportamentos da filha. Actualmente procurou ajuda psicológica, entre outros motivos, por sentir que já não consegue suportar mais a sua vivência com a filha e por temer os desafios da adolescência, que se vai aproximando. A pedido da criança, a Fernanda está prestes a tomar a decisão de a deixar ir viver com os avós maternos, a 200 km da residência da família. Estes estão dispostos a tomar conta da neta no sentido de ajudarem a filha e por temerem o seu desequilíbrio emocional.

O marido da Fernanda é engenheiro civil e trabalha há cerca de 5 anos em Angola. Visita a família duas vezes por ano e tem para com a filha um estilo parental totalmente permissivo, o que vai contra todas as tentativas da Fernanda para disciplinar a filha, causando grandes conflitos entre o casal.

Na última sessão com a psicóloga, a Fernanda verbaliza: “Estou desesperada, a minha filha odeia-me e eu sinto que não vou conseguir aguentar a nossa relação por muito mais tempo. Amo a minha filha mas não consigo estar com ela mais de 5 minutos sem que deseje que ela desapareça. Estou aflita e não sei o que fazer, se a deixo ir para casa dos meus pais, nunca mais serei a mãe dela. Se fica comigo, acho que a qualquer momento ela vai deixar de ter mãe…

Crianças expostas à violência

Crianças e violência

A violência está infelizmente muito presente na vida das crianças, sob várias formas e proveniente de origens diversas. Não é tarefa fácil eliminar todas as fontes de violência que possam dar às nossas crianças, exemplos de acções e reacções agressivas. Mas o que é afinal a violência e de que forma pode ela entrar na vida de uma criança?

A violência pode ser descrita como a utilização da agressividade, de forma intencional e excessiva, para ameaçar ou cometer uma acção que possa causar dano físico, emocional ou psicológico. A violência chega às crianças através das suas relações familiares, escolares e sociais. Muitas vezes os agressores estão dentro da própria família, mas as crianças também podem vivenciar situações violentas por observação de interacções entre vizinhos, pela televisão ou até mesmo pelos jogos ou livros de histórias infantis. Continue a ler “Crianças expostas à violência”

Terapia Cognitivo-Comportamental. O que é?

Terapia Cognitiva e ComportamentalA Terapia Cognitivo-Comportamental é uma abordagem específica, breve e focada no problema actual do cliente. Explica que o que nos afecta não são os acontecimentos em si mas sim a forma como os interpretamos é que vai influenciar, senão determinar, o modo como nos vamos sentir e comportar.

As terapias cognitivo-comportamentais têm por base vários modelos. O modelo de aprendizagem de competências, foca-se no desenvolvimento de reportórios adaptativos e competências específicas de autonomia, comunicação e relação interpessoal, bem como de autocontrolo e autorregulação emocional. O modelo de resolução de problemas ensina métodos para examinar os problemas e encontrar a melhor solução. Pensar alternativas, antecipar consequências, chegar a compromissos, ensaiar soluções, etc. Também o modelo de estruturação cognitiva tem o seu papel relevante na medida em que promove um funcionamento adaptativo, tanto comportamental como emocional, alterando os processos cognitivos disfuncionais. Permite identificar pensamentos, analisar a interligação de variáveis, analisar distorções da realidade e procurar interpretações mais realistas. Continue a ler “Terapia Cognitivo-Comportamental. O que é?”

Comportamentos Positivos

Regras e comportamentos positivosNão é demais recordar que o reforço potencia a ocorrência de um determinado comportamento. Assim, sempre que as nossas crianças apresentam um comportamento adequado e desejado, o reforço imediato torna-se imprescindível para que se possa obter o desejado – que o comportamento ocorra mais vezes, de preferência até se tornar automático.

Parece consensual a importância da definição de regras por parte dos pais e educadores. Para potenciar a eficácia das regras, estas deverão ser claras, estáveis e específicas, de modo a que a criança as possa compreender e cumprir. As regras e instruções para além de claras devem ser curtas e dadas pela positiva. Por exemplo, em vez de um discurso como “És sempre o mesmo desarrumado do costume, nunca arrumas os brinquedos! Estou farta de te avisar que os brinquedos não podem ficar espalhados pela casa, bla, bla ,bla…”, experimente dizer ao seu filho “Por favor arruma os brinquedos. Cá em casa mantemos os quartos arrumados”. Continue a ler “Comportamentos Positivos”